As mudanças na noção de nacionalismo no
século XIX, as transformações políticas e econômicas que
marcaram o período.
A palavra nação indica inicialmente
origem, descendência, um agregado de habitantes de uma localidade. “a coletividade de pessoas que tem a mesma
origem étnica e, em geral, falam a mesma língua e possuem uma tradição comum”[1]
Em meio a ‘era revolucionária’,
poderia ser considerado francês, por exemplo, aquele que comungasse dos ideais
revolucionários ou mesmo apenas que falasse o idioma franco.
Mais tarde, o princípio da
nacionalidade mostra-se como fundamental na formação dos Estados nacionais
(1850-1880 mais destacadamente). Nesses trinta anos, Hobsbawm indica serem
inverídicas as proposições de que é a partir da cultura, da etnia ou da língua
que surgem as unidades nacionais. Para provar, utiliza-se das idéias de
Gellner, de que o nacionalismo vem antes das nações; de que as nações não
formam os Estados e os nacionalismos, mas sim, o contrário[2].
Insere-se o elemento Estado ou corpo político agregando uma sociedade sob um
governo comum e um mesmo território.
Passa-se a considerar nacionalismo, a representação
política das pessoas que compreendem a nação. As práticas nacionais existentes
são alteradas no sentido de fortalecer ou mesmo criar uma unidade nacional, que
eleve o orgulho do povo em pertencer aquela determinada pátria. Canções
folclóricas, hábitos esportivos e mesmo alimentares são ritualizados e
institucionalizados.
Desenvolve-se então a noção de nação.
A tradição antiga é posta de lado em meio a um surto de desenvolvimento
tecnológico industrial que requer novo estilo de vida. O vácuo criado entre um
e outro, favorece o surgimento ‘novidades’
em meio às tradições. “Aprimorar” é a
palavra utilizada para definir todo o processo de transformação –melhor:
adequação– a nova forma de vida baseada
no conteúdo patriótico-nacional, onde se vê a união e a confraternização entre
amantes da arte e da pátria. No caso alemão, a grande tradição militar serviu
como ponto de unidade para o povo, sendo acentuado ainda mais com a guerra
contra a França. A guerra franco-prussiana detinha além do caráter
modernizador, a oportunidade da elite de controlar todo o processo de
transformação, atenuando os movimentos reividicatórios do povo germânico. O
caráter reacionário da unificação alemã, deu-se então do interesse da elite
aristocrática (junker’s) e burguesa (liberalista) de conquista de um território
rico em minérios (Alsácia e Lorena), e da necessidade de controle da população
através de sublinhamento e/ou invenção de tradições que exaltassem a pátria.
A
partir de 1880, o caráter etnolinguístico ganha grande importância no critério
de definição de um corpo de pessoas, -“um
artefato cultural[3]”-
principalmente no que diz respeito a Alemanha e a Itália. Ganham força também,
as teorias racistas, para diferenciar os povos e incutir neles o sentimento de
nação e diferenciação dos outros povos. O enfrentamento entre as nações
européias, em meio ao processo de expansão da nações imperialistas, não poderia
deixar de acontecer sem esses fatores de diferenciação entre os povos.
Destaca-se a importância da educação nessa época, pois é através dela que se
forma o adorador do país, o patriota.
O
trabalhador, dentro desse novo conceito de nação moderna, é forçosamente
politizado. Claro, a educação recebida nas escolas é rigorosamente controlada
pelas elites, que visam criar uma massa de trabalhadores maleável aos seus
interesses. Eric Hobsbwm e Terence Ranger, definem como “tradição inventada” um conjunto de práticas de natureza ritual ou
simbólica, que visam inculcar valores e normas de comportamento através da
repetição. As “tradições inventadas”,
que basearam o desenvolvimento de ‘nação’,
serviram acima de tudo para moldar a população à nova forma de vida exigida
pelo liberalismo progressista, retratado nas inovações tecnológicas e mudanças
na forma de viver dos europeus. Era o nacionalismo individualista aprendido nas escolas, em detrimento de
movimentos socialistas proletários, que eram internacionalistas. A ‘nação’, que em teoria, dá ao cidadão o
poder de representatividade, agora fornece também os subsídios para ser
cultuada, e que por tal, cobra do povo uma fidelidade ainda maior (convocações
para a guerra) do que ele pode despender a sua família.
A crise de 1873 com a expansão
imperialista.
O século XIX, assiste a primeira crise do
capitalismo, que tendo a superprodução em seu contexto, teve como reflexo a
drástica baixa nos níveis de lucro das economias industriais européias. Entre
1873 e meados de 1890, observa-se um cenário de aumento exagerado da produção e
tímido crescimento do mercado consumidor, ocasionado a baixa de preços, na
chamada lei de mercado. A adoção de economias industriais em países como a
Rússia e a Suécia, além do surgimento de fortes economias no mercado mundial
como a norte americana e alemã, ajudaram acentuar o problema de queda da
lucratividade e competição por mercados consumidores.
Logo,
as medidas protecionistas na forma de tarifas alfandegárias passam a ser
adotadas por quase todos os Estados nacionais, que tentam manter a concorrência
fora de seus mercados. O único país a abraçar a causa do comércio livre e
irrestrito foi a Grã-Bretanha, que mantendo seu discurso liberalista, permitiu
que os outros países controlassem os próprios mercados internos, enquanto
controlava quase todo mercado mundial. Nesse plano, os Estados nacionais passam
a ter cada vez mais participação na industrialização; surgem as empresas
nacionais, e mesmo dentro desses países ou em âmbito mundial fomenta-se o
surgimento de novas formas de administrações empresariais como os ‘trustes’ e a ‘administração científica’. O desenrolar dessa situação gera a
concorrência entre as economias nacionais e logo se vê a disputa por mercados
consumidores e melhores oportunidades comerciais acontecendo ao nível de
Estados-nacionais.
O desenvolvimento capitalista, sob os
aspectos citados, fez surgir o ‘capitalismo monopolista’, que concentrava-se
destruir a concorrência, através de administrações racionais, ou científicas,
mantendo os lucros empresariais em altos patamares. O taylorismo, como expressão racionalizadora, levou aos mais altos
postos de trabalho, os executivos, engenheiros e contadores, que assumiram
funções de administradores, no lugar dos proprietários; tudo em nome da
otimização dos lucros. Contudo o aumento da produção, diminui ainda mais os
lucros dos industriais e a busca por novas oportunidades de investimento
tornou-se imprescindível para a manutenção da economia capitalista.
O imperialismo econômico de governantes
que reivindicavam o título de imperador, apresenta-se como melhor saída contra
a depressão e a estagnação dessas economias. O imperialismo é a melhor
expressão a ser utilizada ao que diz respeito a divisão do mundo em fortes e
fracos, ‘avançados’ e ‘atrasados’ economicamente. Outro fator importante era a
tentativa da diminuição do descontentamento interno por meio de avanços
econômicos. Movimentos operários organizados pelas massas descontentes
pressionavam os Estados, que através de imperialistas como Cecil Rhodes,
cunharam o termo ‘imperialismo social’,
como modo de atenuar os problemas sociais dos seus países.
“A
expansão territorial... não é senão o subproduto da expansão do comércio”[4].
Lê-se aqui, a necessidade de expansão do mercado consumidor buscando um
comércio mais lucrativo, e a circulação do capital estagnado nos países
industrializados, que acumulados, baixaram as taxas de juros e portanto, o
lucro da burguesia. A especulação, como o empréstimo de dinheiro a juros, feito
a industriais ou mesmo a países, apesar de gerar maiores lucros do que a
construção de ferrovias na África ou na América latina, era muito arriscada,
como se apresentou no caso da Grécia, que depois de ter pego dinheiro
emprestado, engendrou um calote de 50 anos em seu credor.
A partilha de áreas de influência,
compreendia todo o planeta em volta da Europa. Contudo, as Américas ficaram a
salvo de tal partilha formal. Foram identificados como mercados consumidores
–além de fornecedores de matéria prima- a Ásia e as Américas, que detinham um
modo de vida parecido com os europeus. As Américas experimentaram um surto de
crescimento bem acentuado nessa época, com o recebimento de capitais para
investimento. Enquanto isso, os africanos, com uma cultura muito diferente, foram
explorados apenas como fornecedores de matérias primas para a produção
industrializada européia.
Os desdobramentos da revolução
russa.
Para
esta análise dos desdobramentos da revolução russa, serão postos em relevo suas
consequências em todo o mundo. Também, a sensação de inevitabilidade da vitória
de um sistema econômico socialista, considerado ainda melhor que o capitalista.
Contudo, mesmo antes da revolução, é de primaz importância um estudo sobre o
estado de crise em que se encontrava o império russo.
Em
1905, a guerra russo-japonesa impõem ao czarismo russo uma fragorosa derrota. A
perda de uma parte de seu território para os japoneses, causa grande
desprestígio ao caráter divino do czar. Os militares reivindicam melhores
condições no exercício de suas funções, como é retratado no filme ‘Encouraçado
Potenkin’, onde para comer, só resta aos marinheiros a carne podre e infestada
de larvas. Os motins, como no filme, tornam-se inevitáveis.
Mesmo tendo cerca de 80% de sua
população vivendo no meio rural, o povo começa a questionar o governo em
protestos. Uma passeata chamada de ‘Domingo sangrento’, leva milhares de
trabalhadores à Petersburgo, exigindo do governante melhores condições de vida.
O czar, insensível ao apelo popular e protegido, ordena o ataque de sua guarda
àqueles protestantes. Muitas pessoas morrem e o questionamento daquele governo
e de seu caráter divino novamente é feito pela população.
A
Rússia envolve-se na 1ª guerra mundial achando que seria uma guerra rápida. Sua
densidade populacional, traduzida em um grande exército de camponeses, é a
melhor arma contra o grande desenvolvimento tecnológico do exército das outras
nações. A produção agrária, que já não era suficiente, passa a ser utilizada
sempre em benefício dos que estão na guerra. Muitas mortes no campo de batalha
e fome no interior do país, caracterizam a Rússia nesse momento. Os movimentos
populares se intensificam no sentido de retirada do país da guerra e de reforma
agrária.
Embora o povo não conseguisse
discernir entre o apelo dos diferentes grupos políticos existentes neste
momento, os mencheviques que tomam o poder em Fevereiro de 1917, empregam um
caráter liberal a sua administração. A tentativa de retirar a Rússia da guerra
esbarra na grande pressão exercida pelos países aliados, já que a desistência
da Rússia significaria um fronte de batalha a menos para o exército alemão.
Além disso, os mencheviques não conseguem um tratado honroso com a Alemanha. A
reforma agrária não é feita. O novo governo não consegue atingir as regiões
mais interioranas do país, onde são os ‘sovietes’
-conselhos de soldados e trabalhadores já organizados de 1905-, os principais
responsáveis pela administração mínima dessas localidades, ou seja, produção,
armazenamento e distribuição de alimentos. Mesmo assim agrava-se a situação de
escassez de alimentos.
Os
protestos pelo fim da guerra crescem na Rússia e em todo o continente europeu.
Há uma crença geral de que é apenas a guerra a causadora de tantos males, que
por sua vez são causadores de mais revoluções. O socialismo através dos
partidos socialistas e do apoio das classes trabalhadoras apresentam-se como
alternativa de sistema político-econômico. Os bolcheviques conseguem reunir em
seu slogan “Pão Paz e Terra” todos os anseios da população russa. A alternativa
socialista fundi os desejosos pela revolução social aos desejosos pelo fim da
guerra.
Em
outubro de 1917, chegam ao poder os bolcheviques, que assinando o armistício de
Brest-Litowsk, retira-se da guerra com várias perdas territoriais. Lenin
apresenta as diversas etnias existentes sob o antigo império russo, a intenção
de criar a URSS, transformando-as em repúblicas e dando a elas maior autonomia.
Começa também a reforma agrária, sendo concedidas aos agricultores pequenos
loteamentos de terra. E a base da organização russa agora passa a ser os
sovietes –“Todo poder aos sovietes”.
Era proclamado o novo regime socialista desde aquela revolução. As potência
revolucionárias reuniram sob seu comando um exército com poucos militares e
muitos mercenários –exército branco. Ao comando de Trotski, é criado o exército
vermelho, composto de milhares de camponeses que tinham ao seu favor apenas o
ideal de defesa de seu país. No comunismo de Guerra, termo usado para definir
em o que se transformou a revolução russa naquele momento, os recursos de toda
produção soviética foram quase que todos alocados à favor daqueles que
combatiam na guerra contra os ‘brancos’.
Ao final da guerra civil, que durou de 1918-1920, os ‘vermelhos’ haviam
vencido.
Ainda em 1920, cartazes de
comemoração do dia do trabalho, exortam a Revolução Mundial: “Operários de todo o mundo, uni-vos!”.
Vários movimentos revolucionários surgem em todo mundo. Espanha, China,
Indonésia, Austrália e países da América Latina viram surgir movimentos
socialistas. Até nos EUA, imigrantes finlandeses convertem-se ao comunismo em
comícios organizados nos assentamentos criados em Minnesota. Com o fim da
Grande Guerra (1921), houve o restabelecimento de relações comerciais com
outros países, o que ajudou a disseminar o socialismo.
A reação dos Aliados Ocidentais, já
vitoriosos na ‘Grande Guerra’, foi o estímulo a criação de pequenos
Estados-Nação, exaltando neles o nacionalismo[5].
Com os tratados secretos feitos entre os aliados para dividir a Europa, e a
publicação dos Catorze Pontos de Wilson, criou-se uma espécie de ‘cinturão de quarentena contra o vírus
vermelho’[6],
onde os efeitos da revolução russa seriam contidos e não infectariam a Europa.
Foi criada a Terceira Internacional,
para substituir a Segunda Internacional que não resistiu a guerra mundial. A
intenção era a de criar um corpo de ativistas revolucionários compromissados
com um ataque global, tendo como postos avançados os Partidos Comunistas de
cada país. Contudo, a esperança de ver uma Alemanha socialista acabara em 1923 e
com o oeste fechado pelos aliados ocidentais, a perspectiva de expansão da
revolução se voltava para a Ásia, que apesar de estar ainda imatura, renderia
no futuro mais repúblicas socialistas. Como a revolução não aconteceu na
Grã-Bretanha, França e Alemanha como previram os bolcheviques, a URSS estava
agora sozinha para a busca do desenvolvimento industrial. A morte de Lenin, em
1924, reduziu os ímpetos revolucionários em todo o mundo. A política da NEP,
empregado por Lenin, aos poucos sofreu mudanças no sentido de garantir o
funcionamento do sistema socialista. Já
em 1925, a maioria do Partido soviético aceitou a doutrina proposta por Stalin,
que consistia na revolução em um só país. Não obstante, a intenção de tomar
empréstimos fora, ainda resistiria durante algum tempo, mas logo seria notado
que o isolamento da URSS não seria vencido e a política de industrializar o
país com recursos internos teria que ser posta em prática. A ‘ditadura do
proletário’ mudou não apenas a forma de busca por um Estado socialista forte,
mas também a visão que os comunistas de todo o mundo tinham sobre o que consideravam o bastião de um novo
tempo.
A ascensão de Stalin ao poder, subornou a Terceira Internacional aos
interesses da URSS. O apoio às revoluções só aconteceriam se não pusessem em
risco o sistema russo e se fossem postas em controle direto da URSS. Mesmo a
China, que chamou a URSS de traidora dos movimentos revolucionários, depois do
rompimento com ela, pouco fez para estimular revoluções em outras partes do
mundo.
O desencorajamento de qualquer
tentativa de golpe levantou críticas furiosas de comunistas em todo o mundo. A
crença de que o capitalismo seria enterrado pelo poder superior da economia
socialista enfraqueceu e apesar da URSS não financiar a ajuda para a formação
de novas repúblicas soviéticas, ainda era vista como alternativa de criação de
uma sociedade melhor do que a capitalista.
Contudo, desde então, o intuito da
Revolução Mundial não seria mais inspirada por Moscou.
Fontes bibliográficas:
HOBSBAWM, ERC. A era dos impérios – 1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
________________. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1990.
________________. Era dos extremos. O breve século XX: 1875-1914. São Paulo, Cia das
Letras, 1995.
HOBSBAW, Eric e TANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1997.
DAVIES, R.W e NOVE, Alec. História do Marxismo. O marxismo na época da Terceira
Internacional: A URSS da construção do socialismo ao stalianismo. Capítulos: As
opções econômicas da URSS; Economia soviética e marxismo: qual modelo
socialista Editora Paz e Terra.
[1] HOBSBAW,
Eric. Nações e nacionalismo desde 1780.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.p.28.
[2] Idem.
[3] Idem,
p.135. Citação de Einar Haugen.
[4]
HOBSBAWM, ERC. A era dos impérios –
1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. P.72.
[5] Exaltação
dos costumes e tradições, muitas vezes inventadas, para inculcar os valores
necessários ao regime liberal das nações ocidentais.
[6]
HOBSBAWM, ERC. Era dos extremos. O
breve século XX: 1875-1914. São Paulo, Cia das Letras, 1995. P.73.
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