CAUSAS DA DERROTA
DA LUTA ARMADA NO BRASIL DOS ANOS DE 1960/70
Durante os anos de 1960/70
uma parte da esquerda brasileira optou pela luta armada para tentar vencer a
Ditadura que se instalou no Brasil em 1964. Este trabalho não se propõe a
discutir nem os antecedentes nem as causas que levaram ao golpe civil-mitar de
1964, mas apenas fazer uma breve análise do desfecho de uma das respostas ao
golpe por parte da esquerda: a luta armada no Brasil.
Para nosso estudo, confrontamos as obras de dois
historiadores e dois cineastas, que são respectivamente Daniel Aarão Reis
Filho, Denise Rollemberg, Silvio Tendler e Bruno Barreto. Ao longo de nossa
pesquisa nos ficou patente que a principal
causa para a derrota da esquerda brasileira no seu intento de luta armada
contra a ditadura foi o fato não ter
contado com o apoio do grosso da população brasileira. Este distanciamento
foi recíproco, pois as esquerdas também se isolaram do povo em seu afã
revolucionário e na altitude de seus pedestais intelectuais, muito descolados
da realidade social que era o dia-a-dia das pessoa ‘reais’ e ‘normais’ (nem
todo mundo quer ser, tem capacidade ou coragem para ser um Che de armas na mão
para libertar a América. São muitos e variados os interesses dos homens...).
Através de citações e trechos de filmes dos autores supra citados,
construiremos os alicerces para demostrar nossa tese da “derrota pelo
isolamento”.
Como vamos usar recursos fílmicos, cabe ainda
ressaltar a importância de imagens como legitimadoras de acontecimentos e o
crescimento de seus usos durante os séculos; desde o início da Idade Moderna e
acentuando-se mais ainda com a descoberta de Daguerre e com o cinema
contemporâneo. Os filmes históricos nasceram concomitantemente ao cinema e isso
se deu em vários países, como por exemplo na França, Japão, Rússia e
China. Segundo o historiador Marc Ferro,
não se pode perder de vista o fato de que o filme, seja ele qual for, é um
produto social dotado de historicidade; e assim, o contexto de sua produção
deve ter relevância para a pesquisa, e deve esta procurar dar conta do visível
e do não-visível, ou seja, dos elementos inscritos na película e dos que foram
necessários para que ela se realizasse. Neste sentido orientamos a escolha das
obras cinematográficas deste trabalho por terem sido realizadas, as duas
primeiras, no final dos anos 1980 (ainda sobre o calor do final da ditadura) e
a última, na virada do século XX para o XXI, e ainda assim, percebemos muitas falas semelhantes nos três filmes
(mesmo as produções estando distantes 15 anos no tempo) quando buscam dar conta
das causas da derrota da luta armada no Brasil.
Dentre os
fatores da derrota já citados no parágrafo inicial, seguiremos ampliando um
pouco mais a discussão e apresentando mais alguns motivos, segundo Daniel
Aarão, Denise Rollemberg, Silvio Tendler e Bruno Barreto.
l A
CRENÇA INABALÁVEL NA VITÓRIA, IGNORANDO A REAL POSSIBILIDADE DE DERROTA:
“A
singularidade dos fracassos (das esquerdas e da luta armada no Brasil) baseia-se no fato de que não ocorreram como
hipóteses possíveis (previstas em qualquer tipo de luta), mas como
acontecimentos inesperados, surpreendentes, fatores de perplexidade e
desmoralização na medida em que evidenciam a profunda oposição entre o que
pensavam os comunistas e os rumos tomados objetivamente pela luta de classes.”
1
No filme ‘O que é isso companheiro?’ (fita VHS editada em anexo – 33 min.) numa cena o ator Du Moskovisk pergunta aos companheiro se eles tem experiência com tiro, e um deles responde que isso não seria problema?!.... Na cena seguinte Du Moskoviski está andando na rua com Pedro Cardoso e este pergunta àquele se vai mesmo entrar para a luta armada. Cardoso responde que sim, pois o momento revolucionário aberto deve ser aproveitado...
l O APEGO À MODELOS TEÓRICOS ESTRANGEIROS PARA
INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE NACIONAL (POR
DESCONHECIMENTO DESTA):
“As
experiências revolucionárias vitoriosas consagram as opções (pela luta armada). As imagens do futuro já existiam, são
êxitos materiais, incontestáveis. Assim, é
comum que se conheça melhor as peripécias das revoluções já ocorridas do que as
peculiaridades da história do próprio povo.” 2
“...a chamada
‘indigência’ teórica; o conhecimento
superficial da ‘realidade brasileira’; o fascínio pelos modelos
internacionais; o flagelo da influência e da infiltração pequeno-burguesas...” 3
“Em primeiro
lugar, os pressupostos fundadores – ou mitos coesionadores: a revolução
socialista, historicamente inevitável; a missão redentora do proletariado; a
imprescindibilidade do partido de vanguarda, intérprete qualificado do devir
histórico. Baseados nestes pressupostos, os
comunistas não hesitariam em fazer uma leitura altamente seletiva de textos
teóricos e políticos e de experiências revolucionárias internacionais (no caso do Brasil ao longo
dos anos de 1960 a experiência de Cuba),
com o objetivo de legitimar suas opções para a revolução brasileira.” 4
l O CARÁTER ANTIDEMOCRÁTICO DAS ORGANIZAÇÕES
COMUNISTAS E A FALTA DE TEMPO PARA PESQUISA E ESTUDOS SOBRE A REALIDADE
NACIONAL:
“...a dinâmica excludente e antidemocrática das
organizações comunistas enquanto elite política que detém as chaves do
conhecimento da ‘necessidade histórica’, ou seja, das leis do movimento da
sociedade e de suas lutas, o que lhes confere ‘capacidade de previsão e de
antecipação’, em outras palavras, de direção do processo histórico.” 5
“As tendências antidemocráticas consolidam a organização, mas não
favorecem a livre investigação, as reflexões originais, o debate aberto,
imprevisível, em suma, o questionamento da linha política em vigor. Para
remediar as contradições entre ‘linha’ e ‘realidade’, será necessário, quase
sempre, esperar, esperar pelo terremoto do revés, para que surja, só então, a
reflexão autocrítica.” 6
“...o acúmulo delirante das tarefas formará, no máximo, bons
organizadores, dedicados agitadores, corajosos revolucionários, bons executores
de ‘linhas’, mas não criará as condições
para o exercício da investigação, da reflexão da crítica...” 7
“ Na VPR, no
entanto, não havia críticas ao treinamento. Pelo contrário, como avalia Mario Japa: ‘... era um negócio hierárquico, não tinha o que discutir. (...) Treinamento
era obedecer, treinar para obedecer.
O MR-8 questionava mais. Os cubanos se queixavam dele. (...) . Não se discutia a teoria do foco. Para quem estava lá, isto já estava resolvido. Esta discussão continuava no MR-8, talvez
entre alguns da ALN. Mas não na VPR.” 11
No filme ‘O que é isso companheiro?’, cena da apresentação do companheiro Toledo. Nesta cena fica claro o caráter hierárquico e militarista das organizações comunistas da luta armada no Brasil. As ordens são ordens, assim como a linha política das organizações também. Nada deve ser questionado, sob pena de até enfrentar a morte... Toledo fala ao fim da cena: “Quem descordar morre...” .
l O
DISTANCIAMENTO SOCIAL E IDEOLÓGICO DOS MILITANTES DA LUTA ARMADA COM RELAÇÃO AO
RESTO DOS BRASILEIROS:
“Elites
sociais intelectualizadas, com alto nível de instrução, muito jovens, do sexo
masculino, residindo em algumas – e poucas – grandes cidades, foram a ampla
maioria dos militantes. É de se
surpreender que daí decorra reduzida experiência e conhecimento dos problemas
sociais? Ou uma sensibilidade escassa às contradições do quotidiano das
populações que se imaginava interpretar?” 8
“O treinamento
(de
guerrilha) em Cuba, ..., era
ideológico-militar e eles voltavam ao Brasil com uma visão caolha da
realidade. Estavam impregnados da idéia
de desembarcar do Granma (...) e começar a guerilha e a revolução nas semanas
seguintes, mesmo não tendo contra quem lutar. Nada de converter a população
local e, com ela ou a partir dela, estabelecer um foco que se propagasse
pela palha seca e do qual a guerrilha fosse a guardiã” 12
“ Um documento
do Centro de Informações da Polícia Federal de 22 de dezembro de 1971, afirmava
:
essa dissidência (na ALN) se verificou ainda
em Cuba, composta pela maioria dos militantes de uma turma de 28 terroristas
que faziam cursos de guerrilhas. (...)
A causa dessa dissidência foi a discordância com a forma de atuar da
ALN. ... a ALN de ‘Clemente’ (codinome
de Carlos Eugênio Paes) não segue a ‘linha branda’. Uma das causas do racha foi justamente o fato
da ALN estar dando ênfase especial à atos de terrorismo e relegando a um plano
secundário o trabalho político. O ‘grupo
da Ilha’ aponta como erros principais de atuação da ALN :
-
Inexistência de política de
quadros (não há seleção);
-
Militarização da organização
(esforço principal das ações armadas);
-
Trabalho de massa praticamente nulo;
- Realização ações armadas de repercussão
política negativa. ” 13
l O
DISTANCIAMENTO POPULAR DO PROJETO REVOLUCIONÁRIO:
No filme ‘O que é isso companheiro?’, cena do
seqüestro do embaixador americano. Fernanda Montenegro, que representa uma dona
de casa, assiste de sua janela uma movimentação suspeita (o cerco do MR-8 ao
carro do embaixador americano) e imediatamente vai ao telefone e avisa a
polícia. Ações armadas não agradavam o grosso da população. Nos mesmos moldes
da cena anterior, um padeiro faz uma entrega de oito galetos para um jovem
rapaz que paga com um grande maço de dinheiro. O padeiro acha suspeito e
imediatamente avisa ao dono da padaria que contacta a polícia. Com mais essa
cena de delação, o cineasta Bruno Barreto reforça em seu filme o caráter
antipático da população com relação aos comunistas e a luta armada. Muito dessa
antipatia foi construída por orgãos como o IPES e pela Igreja Católica (ver na
fita VHS em anexo). Um padre estadunidense, Padre Payton, aglutinou multidões
(camadas médias da população) na causa anti-comunista e pela liberdade dos
católicos, a exemplo do grande ato na Avenida Presidente Vargas no Rio de
Janeiro (ver na fita VHS em anexo). Dizia Padre Payton: “...família de reza
unida, permanece unida!...”.
Silvio Tendler também aborda o tema da antipatia
popular frente aos comunistas e a luta armada. Em seus dois
filmes/documentário, ‘Jango’ e ‘Os Anos JK’, são mostradas cenas do comício da
Central, onde 100.000 pessoas de reuniram para ouvir o discursos das reformas
de João Goulart. Mas muito mais gente (alguns dizem que 500.000) participou da
resposta ao comício da Central; foi em São Paulo na Marcha da Família com Deus
pela Liberdade. No dia primeiro de abril de 1964, o day after do golpe, a classe média no Rio de Janeiro festejou com
papel picado e dança na Avenida Atlântica a derrota dos comunistas, a vitória
dos militares e da liberdade... A sede da UNE, no Catete, foi queimada, numa
espécie de exorcismo do medo comunista.
Da filmografia pesquisada, uma cena em particular é
a síntese da indigência e da derrota que os movimentos de esquerda enfrentaram
no Brasil de 1960. A cena ainda apresenta, com muita força dramática, a
autocrítica dos movimentos esquerdistas e a dor de descobrir que a derrota era
e foi uma possibilidade concreta e possível. Estamos falando de uma das cenas
finais do filme ‘O que é isso companheiro?’, onde Pedro Cardoso e Fernanda
Torres, dois guerrilheiros urbanos já na clandestinidade, conversam. Neste
ponto, Fernanda Torres, tentando mostrar algum animo, diz a Cardoso que no novo
disco de Gilberto Gil, Gil grita: ‘MARIGELLA!’, mas que para ouvir, tinha que
tocar o disco de trás para a frente. Cardoso desanimado responde que ninguém
ouve disco de trás para a frente e que eles falaram para o vento, pois ninguém
queria ouvir o que eles tinham para dizer!... Nesse momento Fernanda chora por
não agüentar o peso da derrota.
“Quando Guevara chegou com
seus homens à Bolívia ficou profundamente irritado: sem condições para a
guerrilha eram nulas, sem apoio do partido, isolados, sem armas, num meio
hostil, onde os camponeses que apareciam eram para denunciar a presença dos
guerrilheiros.” 14
“A própria
vivência do exílio (de Leonel Brizola) contribuía na
mudança (rumo ao foco): político
ativo na vida pública, dono de inegável carisma e poder de comunicação com as
massas, se viu, de repente, sem as massas.”
15
“A guerilha de
Caparaó, tal qual a experiência de Che Guevarra e seus guerrilheiros na
Bolívia, jamais conseguiu apoio da
população local. Ao contrário, a
presença dos estranhos despertou as suspeitas e levou a denúncias.” 16
“Nenhum curso
capacita ninguém a fazer guerrilha sob o aspecto político. Capacita tecnicamente. As condições políticas têm que existir no
local onde se está fazendo a guerrilha.
Isto foi um dos problemas da guerrilha, do foco. Deu uma supremacia à
questão técnica em detrimento da opção política, que é fundamental, é o
essencial. Sem a questão política a
gente vira pára-quedista. Eu me senti um
pára-quedista na Serra do Caparaó. Um elemento estranho naquela região. Não tinham as menores condições
políticas. Não se conseguia recrutar ninguém naquela região. (...). Treinamento resolve esta questão.” 17
“A principal
crítica à ALN recaía no se militarismo, que
a havia levado ao total isolamento da sociedade.” 18
“Características
intrínsecas predispunham as organizações comunistas num determinado sentido de
ação e de pensamento : elas estavam preparadas, coesas e mobilizadas, em uma
palavra: prontas – mas a revolução faltou
ao encontro... No caso brasileiro,
não houve a intervenção revolucionária dos movimentos sociais, em suma, faltou
a emergência da ‘situação revolucionária’.” 9
“Em todas as
experiências existe um denominador comum: os comunistas vivem a iminência da revolução
e isto não tem, em princípio, nenhuma
relação com a marcha dos acontecimentos.” 10
Em resumo, o fator determinante para tantas e
pesadas derrotas foi a própria forma e organização política dos comunistas e o
distanciamento popular das causas defendidas pela esquerda.
CITAÇÕES:
1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 REIS FILHO, Daniel Aarão. A Revolução Faltou ao Encontro – Os
comunistas no Brasil. Editora Brasiliense, São Paulo, 1989, pp.181-187.
11,12,13,14,15,16,17*,18 ROLLEMBERG, Denise. O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil – o
treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001, pp. 45, 30,
58, 16, 29, 35, 34, 51.
* A citação 17
é um depoimento de Avelino Capitani para Denise Rollember.
BIBLIOGRAFIA:
REIS FILHO, Daniel Aarão. A Revolução Faltou ao Encontro – Os comunistas no Brasil. Editora
Brasiliense, São Paulo, 1989.
ROLLEMBERG, Denise. O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil – o treinamento guerrilheiro.
Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001.
FERRO,
Marc. Cinema e História. Rio de
Janeiro, Editora Paz e Terra, 1992.
FILMOGRAFIA:
(VHS
em anexo – 33 minutos)
O que é isso
companheiro?
Filme de Bruno Barreto.
Jango – filme de Silvio Tendler –
distribuição: Caliban Filmes.
Os Anos JK – filme de Silvio Tendler –
distribuição: Rio Filmes.
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