“...
o fascismo reconhece que o antigo regime não volta mais, definitivamente
destruído pela revolução francesa de 1789, pelo individualismo e pela
secularização. Neste sentido, sua proposição não é o restabelecimento da
Tradição – e aqui se abrem as divergências entre o fascismo e os diversos
matizes do conservadorismo –, e sim o estabelecimento de uma teia social de
novo tipo. Para tal, a ordem social liberal-burguesa deveria ser destruída: eis
aí a revolução fascista. O espaço social liberal burguês, com sua distinção
entre o público e o privado, com o indivíduo condenado indissoluvelmente ao
sucesso ou ao fracasso econômico, com a transformação da questão social em
problema pessoal, deveria ceder lugar a formas solidárias e orgânicas” (SILVA,
Francisco Carlos Teixeira da. Os fascismos,
In: AARÃO REIS Filho, D. e outros (orgs). O século XX. Rio de janeiro,
Civilização Brasileira, 2000, p. 141)
“... a crítica liberal, via no fascismo apenas confusão. O marxismo
engessado da III Internacional, por sua vez, tendia a explicar tudo através de
uma etapa da história, o capitalismo monopolista de Estado.[1]”
Antes da análise da
proposta política fascista, temos que identifica-la como tal, ao contrário do
que fizeram os historiadores do imediato pós-Guerra, redigindo trabalhos sobre
um fascismo que ocupou apenas um período histórico e não existe mais. Tal
teoria foi esvaziada no final dos anos 1980, pois o surgiram novas explicações
a cerca do fascismo. Explicações que agora levam em consideração os arquivos
antes confidenciais de países que participaram da 2ª Guerra Mundial e,
principalmente, considerações que destacam que o fascismo não ficou restrito
aos anos de conflito que cercaram a Segunda Grande Guerra, mas que também, ele
está presente hoje, assim como naquela época, como uma proposta política
alternativa as mazelas do liberalismo ou as esperanças utópicas do socialismo.
A partir daí, veremos como o fascismo faz-se uma alternativa de proposta
política univesalizante, apontando para três pontos em contrário as ideologias
marxista e liberal: o antiliberalismo, o antidemocratismo e anti-socialismo.
Dentro
de um quadro de retração econômica mundial, os fascismos surgem como uma
proposta extremamente sedutora, mas porém, às vezes ambígua, onde na época, nem
o liberalismo, nem o marxismo deram conta de explicar esse grande poder de
atração, que denotava segurança e refúgio a população cansada da vida moderna.
O fascismo se propõe como opção em que o capital, a família, a comunidade
profissional e local estão harmoniosamente juntos em prol dos supremos
interesses da nação. Uma nação corporativista onde o cidadão não seria mais
culpado individualmente pelo fracasso da sociedade. Um Estado que se
apresentaria como Corporação do Trabalho,
acima de todos os interesses privados que causam a miséria, exploração e o
sentimento de dor nos cidadãos. Vencer a condenação liberal de que cidadão
deveria ser insoluvelmente vitorioso ou fracassado economicamente, perpassava
também pela nova idéia de empresa
solidária, sociedade solidária,
onde mais uma vez o individualismo, característico do liberalismo, sairia
perdedor. Desta forma, mantém-se um discurso próximo ao socialismo, porém não
ao bolchevismo, mas de qualquer forma, anticapitalista. É através deste
discurso que o fascismo alemão manteve seu caráter socializante, denominando-se
nacional-socialismo. Ainda assim, na construção desta nova teia social, a
relação trabalho x capital, ainda
contaria com um espaço reservado para considerações solidárias entre os
interesses dos empregados e cidadãos, é o chamado regime de produtores, um lugar onde seria vencida a luta de
classes, sem dúvida um ponto que açambarcou muitas pessoas à sua causa.
Então,
enquanto a sociedade liberal encetava o New Deal e a sociedade soviética os
planos quinquenais, os fascistas se dedicavam a organização corporativa, ao
dirigismo estatal, reconstruindo um identidade pedida na instauração da
sociedade industrial, liberal e de massas e inventando um eficiente instrumento
anticrise. Segundo Zeev Sternhell, o fascismo é uma ideologia a nascer com o
século XX, sendo ele uma terceira via entre o liberalismo e o socialismo
marxista que propõe uma alternativa aos problemas surgidos dentro da sociedade
moderna.
Ademais,
a formação ideológica do fascista sugere a criação de um novo homem, um homem
incapaz de sentir dor e como conseqüência disto, sem sentimento, portanto,
incapaz de amar. O homem burguês, acomodado, passivo, decadente, deveria ser
substituído pelo novo homem que se autocontrola, o homem fascista. Este homem
que nega o seu eu passa aceitar tudo
sem contestação, condicionando sua dor, desviando o poder de amar à um Líder,
que substitui nesse caso seu amante. Segundo texto de Alcir Lenharo, não é por
acaso, que voluntários na Alemanha nazista “se
antecipavam à exigência dos carrascos nazistas para fuzilar centenas de pessoas
indefesas, e o faziam porque eram anti-semitas convictos e aprovavam
integralmente a “solução final” levada a cabo pelos nazistas[2]”. Outro ponto, e em que este homem está
inserido, é a chamada “idéia-força”,
onde é exaltada a raça, a nação ou império que aglutina o povo, também sob a
égide do Líder. Ainda assim, o Estado fascista não reconhece as fronteiras
geográficas, ele deve crescer territorialmente tanto quanto seu crescimento
populacional, ou de sua economia, ou mesmo tanto quanto precisar para manter-se
como Estado nacional poderoso –é um Estado organicista.
O modelo fascista atesta que o
sistema de governo liberal-burguês, montado a partir da Revolução Francesa
–vista como fator individualizante, que desagrega a nação–, não dá mais conta
das condições de desenvolvimento das sociedades de massas da era contemporânea,
identifica nela todas as mazelas sofridas pela sociedade atual. Neste ponto,
exaltando a negação ao domínio parlamentar e ao direito eleitoral, os fascistas
apresentam-se como herdeiros diretos do fardo deixado pela sociedade liberal
burguesa, como os únicos a conseguir manter a unidade nacional através de um
Estado forte, dominador e ao mesmo harmonioso e sem contradições, o que impediria
a eclosão de conflitos sociais internos e fortaleceria a imagem do Estado no
plano externo.
O
princípio da representação, instituído pela Revolução francesa, teria relegado
as sociedades ao desentendimento e aos interesses setoriais individuais,
representados apenas pelos partidos políticos e, portanto, não nacionais.
Assim, a democracia era constantemente identificada às grandes finanças, um
desagregador, incapaz de agir com autoridade e que punha de cada lado propostas
diferentes que no final se anulavam, impedindo o desenvolvimento da sociedade.
É o Estado fascista um fator de coesão nacional, capaz de restaurar a
identidade nacional em detrimento as mesquinharias dos interesses individuais
burguesas.
No
caso do soviético, o principal ataque feito pelos fascistas é justamente o seu
internacionalismo, incompatível com proposta nacionalista do Estado fascista.
Esta proclamação, feita em uma jornal alemão demonstra a antipatia pelos
bolcheviques:
“O que os artistas alemães esperam do novo governo: Que a arte e a
cultura bolcheviques sejam destruídas![3]”
O bolchevismo/marxismo era
identificado diretamente com o judaísmo, o que o transformava em um instrumento
eficaz de destruição do Estado e de toda identificação nacionalista. O
bolchevismo russo nasceriam como uma doença no seio do liberalismo, o que seria
ainda mais fatal aos anseios fascistas.
“...o fascismo identifica em si mesmo valores absolutos e qualquer
diferença tornar-se-á espaço objeto de eliminação violenta.[4]”
Neste ponto,
caracterizado que o fascismo tem grande apelo nacionalista, podemos citar que
tudo mais que não atente aos parâmetros criados pelos dirigentes do Estado, é
identificado como antinacionalismo. A Igualdade proposta pelos iluministas,
coloca os judeus, por exemplo, na mesma condição de cidadãos, o que segundo o
fascismo, liberta um terrível poder destrutivo à sociedade. Assim, podemos
entender melhor a perseguição aos judeus e aos ciganos, que falavam uma língua
própria, e por tradições também próprias, impediam a homogenização da sociedade
nacional. Daí, o antinacionalismo pode ser identificado não só com o judeu ou o
cigano, mas também com qualquer não-ariano, também o comunista, o deficiente
físico, ou mesmo qualquer estrangeiro.
Para
a liderança desse Estado onde tudo começa e termina, era necessário um líder
carismático, capaz de aglutinar no Estado, através de suas palavras, toda uma
identidade nacional. Com o parlamento suprimido, a burocracia liberal posta de
lado e as instituições remanescentes sendo substituídas por organizações do
partido único, a autoridade do poder do líder carismático –o Füher, o Duce– torna-se preponderante. Contudo essa não é uma
sociedade autocrata, a hierarquia, é um ponto extremamente importante dentro do
fascismo. A administração pública deveria seguir uma ordem hierárquica que
condenava um líder da parte mais baixa da pirâmide a seguir diretamente seu
superior.
O
restabelecimento da Tradição, como vemos, não é o intuito da Revolução Fascista
–exceto no que diz respeito a integração institucional da sociedade–, mas sim o
redirecionamento do povo a nova proposta que surge como uma ação explicativa de
toda vida, resolvendo todos os problemas sociais numa única vontade, a do
Estado, que ainda segundo os fascistas não deve permitir que nenhuma organização
política, social ou econômica, como a Bolsa de Valores, exista fora dela,
acabando assim, com a diferenciação entre a esfera pública e a esfera privada,
que afasta o homem do poder e leva o Estado à impotência.
Diante
das afirmações propostas, torna-se inteligível a diferenciação do fascismo com
qualquer nuança direitista. Diferente também do conservadorismo e do
reacionarismo, o fascismo é antidemocrático e intolerante e não busca a
restauração da Tradição, como os autores do imediato pós-Guerra afirmavam. O
fascismo enceta uma nova política, baseada num Estado onde tudo começa e
termina. Ademais, em face do que foi citado sobre a atração das massas ao
modelo fascista, a forma orgânica do Estado fascista, garante a transformação
da questão social em problema a ser resolvido pelo Estado, extingue a distinção
entre a esfera pública e privada e critica profundamente a Revolução Francesa,
que trouxe tanta dor a civilização contemporânea. E ainda propõe uma nova teia
social, a criação de um novo homem, uma nova relação Trabalho x Capital, em fim, tudo que pode responder ao sucesso de
agregação das massas populares que o fascismo impõe em tempos de crise, no
passado ou mesmo, no presente.
Fontes Bibliográficas:
Filme
de: Peter Cohen. “A arquitetura da destruição”.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “Os Fascismos”
In: O século XX. Vol. II. Civilização Brasileira. Rio de janeiro. 2000. p. 149.
LENHARO, Alcir. Nazismo – “O triunfo da vontade”.
Editora ática, Série princípios. São Paulo. 1986. p. 9.
STERNHELL,
Zeev . “Introdução”. STERNHELL, Zeev, SZNAJDER, Mario e ASHÉRI, Maïa (orgs.) nascimento da ideologia facista. Lisboa.
Bertrand Ed. 1995.
[1] SILVA,
Francisco Carlos Teixeira da. “Os Fascismos” In: O século XX. Vol. II.
Civilização Brasileira. Rio de janeiro. 2000. p. 138.
[2] LENHARO,
Alcir. Nazismo – “O triunfo da vontade”. Editora ática, Série princípios. São
Paulo. 1986. p. 9.
[3] Filme
de: Peter Cohen. “A arquitetura da destruição”.
[4] SILVA,
Francisco Carlos Teixeira da. “Os Fascismos” In: O século XX. Vol. II.
Civilização Brasileira. Rio de janeiro. 2000. p. 149.
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