Reflexões sobre História e Economia
A
importação de métodos e técnicas da economia, pelos historidores, tem em 1929,
com a criação da Escola de Annales, um grande estímulo para o avanço do estudo
da história econômica. Os historiadores não só aproximaram-se das técnicas
econômicas, como também trataram da importação de técnicas de outras ciências
sociais. A história quantitativa,
como uma grande tentativa de aproximação definitiva entre história e economia,
demonstra a intenção sempre perseguida de uma história global, que dê
explicações rápidas e plausíveis de toda história humana.
A história quantitativa como provado,
expõe-se como um método de análise historiográfica de rápidos resultados. A
capacidade de recolhimento de dados (principalmente estadunidense), relacionada
ao avanço tecnológico, permitem ao pesquisador maior facilidade e
confiabilidade no cruzamento e interpretação dos dados (tendo ainda necessária
a mão-de-obra-barata de um bolsista jovem versado em informática. Porém, não
discutiremos isso aqui neste trabalho). A história
quantitativa, responde a uma das maiores ânsias dos historiadores, pois
consegue colocar toda a história de descontinuidades dentro de uma série, que
para ser contínua, formata os movimentos em longas séries, possibilitando
comparações. Não obstante, alguns pontos são discutíveis no tocante a essa nova
face da historiografia e economia. Este trabalho, busca portanto, através da
bibliografia sugerida nas aulas de História e Economia, ministradas pelo
professor Carlos Gabriel Guimarães, tratar do posicionamento entre três
autores, Chaunu, Furet e Villar, que utilizam-se do referido método, acerca de
tais questões: a discussão “espiritual” sobre a alcunha do método (um problema
claramente epistemológico), os limítrofes de cada ciência no ato de pensar o
objeto, a relativização das conjunturas e movimentos em prol da formação de
estruturas e o relacionamento que o historiador tem com as fontes.
Economia
Política, História Quantitativa, Serial ou Econometria Retrospectiva?
Para
François Furet, a razão de utilizar-se da expressão “História Serial” está na
própria característica do método, pois a
ambição ao mesmo tempo mais geral e mais elementar da História quantitativa é
constituir o fato histórico em séries temporais de unidades homogêneas e
comparáveis, e poder assim medir a sua evolução por intervalos de tempo de
dados, em geral anuais[1].
Alargando um pouco mais os horizontes, para uma comparação entre o modelo
franco e anglo-saxão, podemos inteligivelmente, adiante da discussão
“espiritual”, como citou Chaunu, expressar que a história serial francesa defende a utilização do tempo, enquanto a história quantitativa anglo-saxã,
defende o contrário. Essa história, calcada na New Economic History, que Hobsbawm chamou de velha história, utilizava-se sempre de modelos matemáticos para
produção de conhecimento, reservando aos fatos históricos, um valor secundário
e complementar na produção do conhecimento.
Pierre
Villar, especulando sobre a permuta do termo História quantitativa para econometria
retrospectiva, diz que tal método histórico serve mais à economia,
aparecendo aos historiadores apenas como mais um meio de pesquisa. A opinião de
Villar, que coloca a economia no primeiro plano da utilização do método, parece
não levar em consideração a utilização da história
quantitativa por outras ciências. A taxação do método como economia política, pelos cientistas
sociais, acaba por estimular ainda mais essa relação. Infelizmente, tais
cientistas parecem não pensar sobre números, traduzindo-os para uma percepção
conjuntural ou de movimento; causa de sua débil formação matemática (que aliada
a organização menos hierarquizada dos laboratórios ou centros de pesquisa,
formam a causa do pouco sucesso de economia na história desde os anos 1990).
A
matematização da análise do objeto social, como cita Furet e na qual parece
concordar Pierre Villar, se expressa pelo privilégio às montagens de longa
duração e pela utilização do princípio do equilíbrio nas comparações dentro da
série, ou entre séries. Esse sistema, mostra-se interessante pois a tal série
arbitrada pelo historiador/economista, pode ser abordada através de variados
níveis. Um exemplo que pode explicitar melhor a análise de uma série a partir
de níveis, pode ser dado relacionando o desemprego no país a vários outros
pontos: A taxa de desemprego medida anualmente no Brasil, utilizando-se de
subtópicos que informam o desemprego mensalmente, e em vários estados da
Federação, pode trazer diversificadas informações a vários grupos de
cientistas. Um historiador ou economista, pode resolver analisar a causa do
desemprego, abordando a diminuição do comércio interior/exterior. Outro, talvez
um sociólogo, o impacto do aumento do desemprego no relacionamento entre patrão/empregado.
Um terceiro cientista, talvez um geógrafo, pode querer avaliar o crescimento de
uma cidade, comparando-a a outra...
Deste
ponto, vemos a importância da história econômica, não só para historiadores ou
economistas, mas, com a característica de reunião de dados num longo espaço de
tempo, formando a chamada série, também importante para cientistas de outras
áreas. Essa disposição de níveis de análise em outras ciências, levou a História quantitativa ou serial, à discussão de quais seriam os
limites que cada ciência deve ter, na montagem da série e utilização do método,
e também, como devem ser analisadas suas fontes em função de cada
empreendimento.
Os limites
de cada ciência em História quantitativa
“A história, ciência auxiliar, confere às ciências do homem
do presente aquela profundidade no tempo que, quando verdadeiramente integrada,
constitui o mais seguro substituto de uma experimentação impossível”. Chaunu
A
história, promovida a auxiliar da
economia, na opinião de Chaunu, deve servir como ajudante, sem condição de
reciprocidade, a todas as demais ciências. O autor prega ainda o surgimento de
uma cultura que permita aos historiadores e economistas, moverem-se
cuidadosamente na utilização da História
Quantitativa.
Por outro
lado, Villar aponta a história como fundamental,
exaltando o sistema de análise de matéria social e humana desde suas origens. O
mesmo autor também ressalta a história como instrumento,
que em minha opinião, como história aplicada
viria de encontro não só ao posicionamento de Villar, mas também ao de Chaunu,
mostrando-se fundamental na
conformação de dados e de insubstituível
experimentação no tocante a análise do material social e humano. Ao
contrário da arte de acomodar restos[2],
como escreve Chaunu, a história como instrumento,
pode finalmente servir a uma convergência dos movimentos às estruturas,
mostrando-se como método interessante às ciências sociais.
Furet,
discordando de Villar quando diz que os cientistas, dentro da História
Econômica, devem respeitar os limites de cada ciência, aponta, junto de Chaunu,
uma senda homogeinizadora, onde cada vez menos a história serial ficará sujeita apenas ao setor econômico. Uma saída
bem apontada por Furet e também Chaunu, é a criação de séries a partir de
objetos não estudados. Parece-me claro que o historiador, optando pela
utilização do método de história serial,
sem um razoável conhecimento dos números e dos processos estatísticos, prefere
a análise de ícones, movimentos e conjunturas, como por exemplo, uma revolução,
a influência de algum artista, ou mesmo a Luís XIV, em sua época, como citou
Furet. O contrário também ocorre aos profissionais de economia, que alheios aos
instrumentos históricos, pretere os movimentos em relação a estrutura.
A análise das grandes massas adormecidas dos
arquivos dos humildes[3],
então, para além de uma história dos excluídos, mostra o rosto de uma
microhistória dentro do método da história
quantitativa, revelando assim sua disposição em deixar o exclusivismo do
campo econômico. Esta, é exatamente a discussão sobre a conjuntura e a estrutura,
sobre o historiador economista e o economista historiador, tendo como
argumentos principais que advogam para uma história totalista, como Ciro
Flamarion Cardoso: o estudo das relações sociais de produção.
O
relacionamento dos cientistas com suas fontes em História serial
“Ignorar os próprios predecessores significa simultaneamente
perder e ganhar tempo. Descurar advertências clássicas já significa correr
maiores riscos[4]”.
Marczewski.
Como um
historiador, pode criar uma série que estude o desenvolvimento econômico do
Brasil na década de trinta sem levar em consideração a Revolução de 30, os
movimentos operários, a elite agrária...? Como aferiu este mesmo período sem os
números que traduzem o final da 1ª
Guerra Mundial, a crise de 1929 e os “surtos” de industrialização apontados nos
livros didáticos de história...? Assim, o economista sai na frente do
historiador na criação e exploração de uma série, ou na economia política, como
preferem chamar os cientistas sociais. A carência de instrumentos citada
anteriormente, seja por historiadores ou economistas, talvez possa ser debelada por uma cultura
vulgar que permita a comunicação entre as ciências, sobre as fontes a serem
trabalhadas.
Furet, em
História quantitativa e a construção do
fato histórico, aponta os tipos de fontes matemáticas que o historiador tem
de lhe dar: a primeira diz respeito a fontes estruturalmente numéricas,
reunidas como tais e utilizadas pelo historiador para responder as perguntas diretamente
ao seu campo original de investigação. Outra, diz respeito a essas mesmas
fontes matemáticas, que são utilizadas para responder questões que nada tem a
ver com o objeto de estudo, ou em minha opinião, que pouco tem a ver, mas que
porém, pode ser usado como no objeto de estudo, inferindo a ele um caráter mais
totalizante. A terceira, diz respeito a própria história serial, onde o
historiador, utilizando-se das mesmas fontes estruturalmente matemáticas,
utiliza-as de forma quantitativa e cria séries, tomando todo o cuidado de que
sejam longas e obviamente comparáveis.
Contudo, apesar das pretensões da história tradicional de
criar uma história global, como foi
citada no início, a história serial, ou quantitativa, a econometria retrospectiva ou economia política, descreve
continuidades sob um aspecto descontínuo, exaltando assim, mais um vez, que a
série, para ser válida, deve ser de longa duração. Assim, portanto, uma
história de apreensão global está, longe das perspectivas atuais. Porém, a
utilização deste método de rápidas respostas e que pode ser utilizado para
muito além da economia, mostra-se, a partir do que foi proposto, uma opção
presentemente viável aos cientistas desta nossa época.
Fontes
bibliográficas:
CHAUNU, Pierre. “Os domínios da História Serial”.
IN: Da Silva, Maria B. N. (Org.). Teoria
da História. São Paulo, Cultrix, 1976.
FURET, François. “A história quantitativa e a
construção do fato histórico”. IN: Da Silva, Maria B. N. (Org.). Teoria da História. São Paulo, Cultrix,
1976.
FURET, François. “História eventual e História
serial”. IN: Da Silva, Maria B. N. (Org.). Teoria
da História. São Paulo, Cultrix, 1976.
VILAR, Pierre. Desenvolvimento econômico e Análise Histórica. Lisboa. Editora
Presença, 1982.
Como principal fonte, foram utilizadas as
aulas de História e Economia, ministradas no 1° semestre de 2005, pelo Prof.
Dr. Carlos Gabriel Gumarães.
[1] FURET,
François. “A história quantitativa e a construção do fato histórico”. IN: Da
Silva, Maria B. N. (Org.). Teoria da
História. São Paulo, Cultrix, 1976. p. 75.
[2] VILAR,
Pierre. Desenvolvimento econômico e
Análise Histórica. Lisboa. Editora Presença, 1982. p. 199.
[3] CHAUNU,
Pierre. “Os domínios da História Serial”. IN: Da Silva, Maria B. N. (Org.). Teoria da História. São Paulo, Cultrix,
1976. p. 72.
[4] VILAR,
Pierre. Desenvolvimento econômico e
Análise Histórica. Lisboa. Editora Presença, 1982. p. 196
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