HEIDEGGER
Heidegger, no texto Serenidade, fala sobre o pensamento.
Ressalta a noção de que o homem hoje é marcado pela ausência de pensamento. Mas
uma ausência de pensamento que se caracteriza por uma fuga do pensamento. Esse
pensar que ele se refere é abandonado por um outro que toma conta desse solo
que apesar de baldio continua sempre fértil.
Esse pensamento que se torna
preponderante é chamado por ele de pensamento calculativo. Um pensamento que se
caracteriza por uma “intenção calculada de servirem a objetivos específicos[1]”.
E, assim, ele vai calculando, quantificando na direção dos objetivos finais
vislumbrados por uma intenção econômica do tempo. Este não pode ser perdido,
desperdiçado.
Assim, podemos entrar no detalhe em
que a ciência moderna, aquela que veicula esse pensamento calculativo, produz
um discurso (língua) particular. No texto “Língua de tradição e língua
técnica”, Heidegger chama a atenção para a língua no sentido de que é ela que
faz a ligação entre o sujeito e o mundo. “A língua é o mundo intermediário
entre o espírito humano e os objetos. A língua é a expressão deste entremeio do
sujeito e do objeto[2]”.
Então a tal língua é “contaminada”
pela lógica da técnica que, segundo Heidegger nesse mesmo texto, pode ser dita
através da etimologia dos termos latinos instruere e instrumentum,
donde “A técnica passa por qualquer coisa que o homem manipula, da qual ele se
serve na perspectiva de uma utilidade[3]”
como uma representação instrumental e da origem do termo “técnica” que deriva
do grego technikon que designa o que pertence a technè que tem a
mesma significação de epistemè (velar sobre uma coisa, compreendê-la).
Então, “technè não é um conceito do fazer, mas um conceito do saber[4]”.
Se tomarmos a primeira referência da
representação instrumental, vemos que a língua se torna apenas um instrumento
de comunicação, veiculando informações. A segunda nos leva a olhar por um
ângulo onde a técnica, estando no âmbito do saber, determina o modo de pensar
no sentido de o que está em jogo é o Saber-Poder.
Voltando ao pensamento calculativo
que é transmitido por essa língua técnica que tenta dar conta de tudo: sendo
super informativa e ao mesmo tempo dominando o modo de pensar (“A cada dia e a
cada hora encontram-se presos ao rádio e à televisão. Semana após semana os
filmes levam-nos para os incomuns, mas freqüentemente muito comuns, domínios da
representação, simulando um mundo que não é mundo. “Revistas Ilustradas”
encontram-se disponíveis em toda parte. Tudo que as modernas técnicas de
comunicação hora-a-hora estimulam, investem, e dirigem no homem – tudo isso já
é muito mais próximo do homem hoje que os campos em volta de sua casa, mais
próximo que o céu acima do campo, mais próximo que as convenções e costumes de
seu povoado, mais próximo que a tradição de seu mundo nativo[5]”),
Heidegger pontua o seu limite, o limite da língua, quando fala da
impossibilidade da programação de um poema, ou seja, sua redução a língua
técnica. O trabalho do poeta é, justamente, colocar em palavras aquilo que
escapa ao cálculo, à objetivação, à utilidade. E aí chegamos ao ponto onde
Heidegger ressalta a importância do que ele chama de pensamento meditativo,
pois ele nos faz parar e pensar, nos entregar “as coisas que à primeira vista
parecem ser inconciliáveis[6]”.
Sendo o pensamento meditativo
despreocupado com o sentido prático das coisas, então, ele é o que sustenta a
humanidade do homem. Pois está sempre ali onde escapa o sentido das coisas.
Sentido, esse, que prende a língua e as práticas à utilidade.
Mas Heidegger não nos deixa esquecer
que essa língua técnica é do próprio homem, não é externa a ele como a língua
da tradição também não o é.
A língua da tradição, ao mesmo
tempo, mostra o limite da língua técnica, enquanto formalizada num sistema de
sinais e o seu caráter inevitável de renovação e de garantir a humanidade das
relações.
Retomar a noção de que é a língua
que faz a ligação entre o sujeito e o mundo marca a importância da renovação e
da garantia da humanidade das relações: “Tradição não é uma simples outorga,
mas a preservação do inicial, a salvaguarda de novas possibilidades da língua
já falada. É esta que encerra o informulado e o transforma em dádiva. A
tradição da língua é transmitida pela própria língua, e de tal maneira que
exige do homem que a partir da língua conservada, diga de novo o mundo e por aí
chegue ao aparecer do ainda-não-apercebido. Ora eis aqui a missão dos poetas[7]”.
“E nós somos aqueles que
assim pensam, quando sabemos, aqui e agora, como homens que devem encontrar e
preparar o caminho que conduza para a era atômica, e então para fora dela[8]”.
Bibliografia
HEIDEGGER, M. Serenidade
– Titulo original: Gelassenheit. Ed. Neske, 1959, 5 edição 1977.
HEIDEGGER, M. Língua
de Tradição e língua Técnica. Lisboa: Vega, 1995.
[1]
Heidegger, M. Serenidade – Titulo original: Gelassenheit. Ed. Neske, 1959, 5
edição 1977. Tradução e notas de Tito Marques Palmeiro, p. 3
[2]
Heidegger, M. Língua de Tradição e língua Técnica, p.32
[3]
Heidegger, M. Língua de Tradição e língua Técnica, p 18
[4]
Heidegger, M. Língua de Tradição e língua Técnica, p.22
[5] Heidegger,
M. Serenidade – Titulo original: Gelassenheit. Ed. Neske, 1959, 5 edição 1977.
Tradução e notas de Tito Marques Palmeiro, p 5
[6]
Heidegger, M. Serenidade – Titulo original: Gelassenheit. Ed. Neske, 1959, 5
edição 1977. Tradução e notas de Tito Marques Palmeiro, p 9
[7]
Heidegger, M. Língua de Tradição e língua Técnica, p.40
[8]Heidegger,
M. Serenidade – Titulo original: Gelassenheit. Ed. Neske, 1959, 5 edição 1977.
Tradução e notas de Tito Marques Palmeiro, p 12
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