A ajuda cubana, o foquismo e a inércia brasileira
Desde o episódio da crise dos
mísseis, depois de ter que devolver a URSS os mísseis que assegurariam sua
condição como primeiro território livre
da América Latina, Cuba começa a fomentar a idéia de expandir a revolução
para os demais países latino-americanos, como condição imprescindível à
consolidação da revolução na ilha. A partir deste corte temporal-geográfico, o
contexto social brasileiro, a ajuda cubana, bem como a utilização do foquismo
como principal tática de organização guerrilheira para realização da revolução,
contarão como principais temas deste trabalho.
Para levar a cabo o intento de
exportação da revolução, os cubanos transformam a história da revolução cubana
em um dos maiores mitos existentes entre os movimentos revolucionários de
esquerda latino-americanas; o foco guerrilheiro. Este, como um pequeno grupo de
vanguarda revolucionária, que escondia-se em algum lugar de Sierra Maestra, seria
sozinho responsável pela deflagração vitoriosa da campanha revolucionária.
Desta forma, também deveria acontecer nos países da América Latina uma
sublevação composta por poucos indivíduos, cobertos de teoria marxista, que
seriam capazes de subverter o poder vigente em seus países, conduzindo a nação
ao comunismo.
O programa de exportação da
revolução de Cuba, contava ainda com um baluarte, “Che” Guevara. Sua fama e
carisma transformavam-no em um ídolo, fazendo os revolucionários de toda a
América latina sonhar em estar na vanguarda de movimentos que levariam seus
países ao comunismo. Apesar de acumular a frustração da experiência no Congo e
da pressão da URSS para que a revolução não fosse exportada, Ernesto Guevara,
premido pelos seus próprios desígnios revolucionários, decidiu ir ao país que
se transformou em sua última intentona;
Bolívia. O autor Daniel Alarcón Benigno ressalta ainda que Guevara não tinha
conhecimento sobre a atual situação de pouca mobilização e apoio popular ao
projeto boliviano. “Mário Monje, primeiro-secretário do PC boliviano, e os
cubanos se aproximavam, mediam forças, se afastavam, se encaravam, desviavam
olhares, dissimulavam mutuamente, fingiam acreditar no fingimento”.[1]
No
Brasil, com um situação comparável a dos bolivianos, o PCB estava isolado, com
pouca capacidade de articulação e sendo criticado por todos os lados –causa de
seu alinhamento com a URSS, que pugnava pela revolução em um só país. Ainda
assim, o PC brasileiro, acusado por fazer barganhas com os anseios populares
nas administrações getulista, tem seu poder dividido com o crescimento –e
posterior dissidência– de uma ala maoísta no seio do partido.
A partir deste quadro, a utilização
do foquismo me parece não só como uma importação da ideologia guerrilheira-marxista
de Cuba, mas principalmente a importação de um “pacote” capaz de transformar
qualquer país latino-americano em uma nação socialista –ou mesmo uma fórmula,
capaz de efetuar a união dos novos países socialistas em uma grande nação
latino-americana; claro, socialista.
A utilização do foquismo, que a
exemplo cubano, deveria também no Brasil, partir de um pequeno grupo de
guerrilheiros, capaz de subverter as ordenações do novo sistema implantado,
redirecionar os rumos do país ao comunismo. É claro, a situação brasileira não
era a mesma de Cuba, e a tão orquestrada e sonhada revolução, não aconteceu.
Embora o foquismo aparecesse como a solução imediata para uma revolução
imediata, onde a população permaneceria à margem de todo o processo, essa
tática de guerrilha não deu certo e, na prática, relegou os movimentos de
esquerda ao fracasso. Caparaó, Araguaia, outras tentativas; todas infrutíferas.
Em 1967, também morre Guevara. A prática foquista. Mariguella havia colocado
sua posição a cerca do foquismo:
Mariguella declarou contrário aos focos e, inspirado na
experiência histórica brasileira (das lutas com os holandeses ao cangaço de
Lampião). Apresentou a tarefa das colunas guerrilheiras móveis, que se
deslocariam contando com pontos de apoio de antemão assentados. Toda via, a
modificação introduzida é secundária no contexto geral. O foquismo se mantém ,
na medida em que a guerrilha começa do zero, dissociada de qualquer movimento
de massas, e incorpora a função de vanguarda política. (Gorender, 1987, p. 95-98).
As tentativas de implantação do
foquismo no Brasil levaram a morte centenas de guerrilheiros, provando sua
redundante ineficiência e derrota. Até Cuba dando-se por satisfeita pelas
derrotas e, estando dependente economicamente da URSS, se decide
pela quebra do compromisso de exportação da revolução, em 1970. Em 1972, Cuba
adere ao COMECON.
Contudo, segundo podemos ler no
livro do jornalista Carlos Amorim[2], o
foquismo não foi de todo infrutífero e inútil no Brasil:
A preocupação das organizações de esquerda
em formar uma rede de “aparelhos” também foi incorporada ao crime. Casas são
compradas ou alugadas em vários pontos, próximos à operação de venda de drogas,
para servir de depósito de material ou abrigo para os mais procurados. Em
geral, esses “aparelhos”, ou “paióis”, têm a fachada absolutamente discreta de
residências pacatas ou pequenos negócios. Ficam nas áreas vizinhas as grandes
favelas controladas pelo Comando Vermelho. Locais de rápido acesso para
transferir a droga ou simplesmente passar uma noite em segurança. Mas o crime
organizado foi muito além do que a luta armada revolucionária tinha conseguido
nos anos 70, tanto em matéria de infra-estrutura quanto na disciplina e
organização internas. O bandido comum conseguiu romper o isolamento social que
atormentava os grupos guerrilheiros, desenvolvendo laços de confiança com a
população carente. O militantes viviam clandestinos e sem qualquer ajuda [na
prática nem sempre isso foi verdade], a
não ser a fé que os movia. Os homens que servem ao crime organizado contam com
a colaboração –ou pelo menos o silêncio– que os protege.[3]
Ao que sabemos, o contrário do que é
conhecido sobre o desembarque dos revolucionários em Cuba, onde o povo atendeu
ao chamado da revolução, a população brasileira permaneceu apática aos
movimentos da esquerda –especulo que pela idéia de maldade que representava o
comunismo, incutida nas massas por órgãos dirigentes de suas vidas, como a
mídia e a “opinião pública”, talvez poderíamos acrescentar ainda a formação
ideológica do brasileiro, herdada da colonização ibérica; dionisíaca, tendendo
aos prazeres, a acomodação etc. Daniel Aarão, em seu livro A revolução faltou ao encontro, descreve que a apatia da qual
falamos passaria pela “indigência” teórica dos movimentos de esquerda, pelo
pouco conhecimento da “realidade brasileira”, traduzida no fascínio pelos
modelos internacionais –como o cubano ou chinês. Outros pontos abordados por
Aarão descrevem a crença na inevitabilidade da revolução pelos guerrilheiros, o
que teria levado a uma má organização de seus movimentos. Inclui-se neste dado,
uma estratégia de tensão máxima –conjunto de mecanismos e condicionantes
utilizadas por sua direção (Reis Filho, 1989) que compõem-se de uma utilização
dentro do próprio movimento, resultado assim, num relativo afastamento das
querelas populares. Em fim, sobre a tentativa de sedução a população brasileira
naquela época, Daniel Aarão ainda dispara: “As palavras dos comunistas
girarão[e girraram] no vazio, tão patéticas e ineficazes como um motor de avião
rodando desesperadamente no vácuo”[4]
Contudo,
como já foi dito, era ponto pacífico entre os cubanos que a manutenção de sua
revolução necessitava da expansão desse movimento para a América Latina.
Através da relação feita entre a adoção do foquismo no Brasil e seu decorrente
fracasso, praticamente previsto nas palavras de Mariguella, podemos desenhar os
estudos sobre o fomento dos movimentos revolucionários latino-americanos por
Cuba, utilizando-nos de estudos em três diferentes momentos na história
brasileira: antes do golpe civil-militar, em 1964, onde os aliados
preferenciais do governo cubano eram as Ligas Camponesas; depois da instalação
no novo regime; e posteriormente, com a desarticulação das Ligas Camponesas,
voltando-se para o treinamento de guerrilheiros em todo o terceiro mundo, sendo
que no Brasil, agora com enfoque na ação do revolucionário Leonel Brizola.
Sobre Brizola, inicialmente preferiu
o projeto de quartelada, baseada na tradição gaúcha, porém, teve seus
esforços frustrados ao longo de seu percurso. Posteriormente, “aderindo” ao
foquismo e sendo o principal nome em que Cuba faria suas apostas no Brasil,
Brizola recebe dinheiro para a guerrilha. A gerência dos valores recebidos de
Cuba pesam até hoje o nome Leonel Brizola, onde testemunhos antípodas se
dispõe:
Brizola nunca prestou conta do dinheiro nem
à Cuba nem aos militantes, fossem dirigentes ou de base. Tinha-o como
<<empréstimo pessoal>>, a ele Brizola, e que seria devolvido.
Acredita-se Ter havido gastos nos quais o dinheiro doi usado, mas apenas uma
parte. Flávio Tavares, ligado ao foco de Imperatriz, conta que, entre os três
focos planejados, o de Caparaó era <<uma espécie de encantada menina dos
olhos de Brizola, que lhe deu dadivosos fundos e armamento... Para quem viveu
diretamente a experiência na Serra de Caparaó e no Brasil Central, no entanto,
a realidade foi de grande escassez, fome contante, falta de dinheiro para o
caso de fuga e para compra de remédio. (...) Por fim, Brizola nunca teria
ajudado os guerrilheiros presos e suas famílias com o dinhero de Cuba.[5]
Eu nunca soube dessas quantias. Mas, pelo
que conheço da época, milhão não era algo que estivesse ao alcance de Cuba.
Porque Cuba tinha ptoblemas de dinheiro, rpincipalmente em dólar. Cuba tinha a
máxima vontade em ajudar. (...) Brizola controlava esse dinheiro com minúcias
de centavos. Porque era subsistência do grupo. Tinha gente que estava no
Uruguai por conta da chamada “Revolução” que iríamos fazer. Não tinha emprego.
Brizola pagava alojamento e comida para uma turma. (...) Não que Cuba não
tivesse o desejo de dar este apoio. Não tinha era dólar. (...) E muita
economia, muita contribuição de bens do próprio Brizola. Porque ele tinha algum
recurso. Não era uma pessoa pobre. Eu diria que foi pouco dinheiro que correu
aí. Tão pouco que não deu
margem
à corrupção.[6]
Destas duas posições, uma retirada
do livro da Drª em história Denise Rollemberg, Apoio de Cuba a luta armada no Brasil, outra colhida da entrevista
feita a Betinho, pelo jornalista Geneton Moraes Neto, depreende-se claramente
apenas uma conclusão: faltava dinheiro.
Neste
ponto, finalizando essa breve dissertação sobre o foquismo e a influência
cubana sobre os movimentos brasileiros, vale a pena citar mais um trecho da
entrevista de Betinho, que ficou famoso décadas mais tarde como líder da
Campanha Contra a Fome. O testemunho desse homem se encaixa exatamente na
terceira “fase” de ajuda cubana ao Brasil. Betinho, recebendo dinheiro de Fidel
Castro, mas já afastado do núcleo brizolista, filia-se a AP (Ação Popular).
Pouco tempo depois da filiação, a AP decide por deixar a guerrilha, e então
surge a pergunta: o que fazer com o dinheiro recebido para a revolução? Nas
palavras de Betinho:
Voltei a Cuba, sim, não como emissário de Brizola, mas em
nome da Ação Popular, para devolver o dinheiro. Talvez eu tenha sido o único,
na história humana... A razão por que devolvi dinheiro a Cuba foi ideológica:
nós, na AP, tínhamos feito a conversão ao maoísmo. Acontece que o maoísmo tinha
uma diferença ideológica com a guerrilha. Como já não íamos usar o dinheiro de
Cuba para fazer o treinamento de nossos militantes, a direção resolveu, então,
que os dólares deveriam ser devolvidos. Defendi esta posição: disse que
tínhamos recebido o dinheiro para treinar. Se não íamos treinar, então seria
desonesto gastar o dinheiro de Cuba com outra coisa. Voltei então a Cuba
levando o dinheiro em cintos embaixo da roupa. Eram, se não me engano, 20 mil
dólares. Os cubanos ficaram totalmente surpresos com a devolução. Tive um
encontro com um auxiliar direto do comandante. Os cubanos ficaram me olhando,
sem ter muitas palavras. Além de eu dizer que estava devolvendo o dinheiro
–algo que jamais aconteceu por lá–, eu ainda dava as razões: “Somos maoístas”.[7]
Fontes:
In: FERREIRA,
Jorge e DELGADO, Lucília de A. N. (Orgs). ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionáias e luta armada.
Editora Civilização brasileira, Rio de janeiro, 2003.
REIS FILHO,
Daniel A. Arevolução faltou ao encontro.
Os comunistas no Brasil. Editora Brasiliense, São Paulo, 1989.
[1] ROLLEMBERG, Denise. Apoio de Cuba à luta armada no Brasil. Treinamento
Guerrilheiro. Rio de janeiro, Ed.:MAUAD, 2001.
NETO, Geneton
Moraes. Dossiê Brasil. As histórias
por trás da História recente do país. Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1997.
AMORIM,
Carlos. PC_PCC. A irmandade do crime.
Editora Record, 3ª edição, 2004.
[1] ROLLEMBERG, Denise. Apoio de Cuba à luta armada no Brasil. Treinamento
Guerrilheiro. Rio de janeiro, Ed.:MAUAD, 2001, p. 16.
[2] AMORIM, Carlos. PC_PCC. A
irmandade do crime. Editora Record, 3ª edição, 2004.
[3] Idem. p. 90-91
[4] REIS FILHO, Daniel A. Arevolução
faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil. Editora Brasiliense, São
Paulo, 1989. p. 186.
[5] ROLLEMBERG, Denise. Apoio de Cuba à luta armada no Brasil. Treinamento
Guerrilheiro. Rio de janeiro, Ed.:MAUAD, 2001. p. 31-32.
[6] NETO, Geneton Moraes. Dossiê
Brasil. As histórias por trás da História recente do país. Editora
Objetiva, Rio de Janeiro, 1997, p. 214-215. Entrevista com Herbert de Souza, o
Betinho.
[7] Idem. p. 215 e216.
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