Ao contrário da maioria das análises sobre o período,
Alcir Lenharo afirma que o Estado Novo levou a sério a existência da luta de
classes e também as possibilidades reais dos trabalhadores no jogo do poder nos
anos 20 e 30.
Alcir Lenharo, autor de
Pátria como família, destaca que a política implementada pelo Estado desde
1930, demonstra uma estratégia de controle da classe operária e de sua
restruturação a partir da orientação do ‘Poder[1]’.
O autor constata que o Estado age como mediador e formador de classes, que mal
definidas, não apresentavam projetos universalizantes para as suas
administrações políticas. O Estado deveria ser comandante deste processo de
formação de classes, pois as elites buscavam a manutenção de seu status e se não fosse através desse
Estado em que estavam no poder, as mudanças poderiam ocorrer através de
revoluções em que um novo Estado apareceria, desta vez nas mãos dos
trabalhadores.
O
Estado, definindo-se com uma proposta da classe dominante, “empurra” as outras
classes à oposição. As classes médias, dentro de uma ideologia fascista, vêem o
autoritarismo como solução para os problemas do ‘Brasil real’, enquanto os
intérpretes marxistas e liberais identificam o autoritarismo como solução
encontrada pelas elites, que estariam impossibilitadas de exercer por conta
própria a hegemonia do ‘Poder’.
Ainda
assim, para a manutenção do Poder dentro das elites, o Estado admite posturas
estratégicas diferentes antes e depois do ‘Estado Novo’. No primeiro momento, o
Integralismo, no seio da classe média, é utilizado como instrumento
–institucional não oficial– de controle e freio do comunismo, onde estavam
agregadas uma considerável parcela da população, que aspirava chegar ao poder e
subverter a relação capital X trabalho
mantida até então. A AIB, exaltando a juventude, a virilidade, o nacionalismo e
o apelo a um passado glorioso, características fascistas, agia nas ruas fazendo
uma espécie de policiamento, um para-militarismo com que o governo lidava
fazendo “vistas grossas”. É sem dúvida um Estado elitista, que ameaçado de
perder seu status quo, engendra uma política de perseguição e ameaça a qualquer
um que ameaçasse subverter a ordem imposta pelas classes dominantes.
Posteriormente, este Estado das
classes dominantes, o Estado Novo, vê na classe operária a legitimação de seu
‘Poder’, atraindo-a ao jogo político, a uma pseudo-representação dentro da
gestão pública. São criados a partir daí, por exemplo, os sindicatos “legais”,
a Carteira de Trabalho, o Ministério do Trabalho e variados benefícios que
serviam para atrair os trabalhadores, engessando assim as lutas de classes. O
Estado Novo dá aos trabalhadores a opção de aceitar a sua sedutora proposta,
cheia de “ganhos” como férias remuneradas etc. onde a partir de então as lutas
trabalhistas são deixadas de lado ou uma outra opção, que deixava-os
marginalizados, tendo então que se entender com a polícia. A polícia política,
neste caso de “marginais”, agia livremente, sem respeitar a justiça, como é
melhor explicitada na resposta da questão b. A relação dos burgueses com os
operários era regida pela inflexibilidade e o Estado das elites continuava a se
manter sobre perseguições aos trabalhadores.
A
proibição da propaganda ideológica, além do que já foi citado, terminou por
caracterizar a política de Estado adotada no governo Vargas, pois sem ela, a
articulação de greves –a melhor arma
operária– e a organização de qualquer tipo de movimento contra o que as elites
outorgavam ao povo, tornou-se mais difícil de ser realizada. Como foi
explicitado, o Estado Novo levou a sério os movimentos populares e a chance dos
operários de chegar ao poder, tentando então eliminar ora pela força, ora pela
sedução, qualquer foco de subversão que quisesse levar os trabalhadores ao
Poder.
Os mecanismos
institucionais de vigilância e controle social implementados após 1930.
Neste período, após 1930, e,
particularmente entre 1937-1945, o Estado brasileiro sob a égide do chamado
‘Estado Novo’, sofreu um novo processo de centralização do poder, uma ditadura.
Em
1935, o governo cria a Lei de Segurança Nacional, uma resposta a Intentona
Comunista, em que claramente se vê a intenção de barrar o desenvolvimento de
ideologias que atingissem diretamente as massas, como a anarquismo e o
socialismo. Um exemplo de agremiações onde se reuniam grandes contingentes
populares são os anarco-sindicalistas, que são controlados com a criação de
“sindicatos legais”, ou sindicatos que tem registro no governo. A centralização
do poder se radicaliza com o fechamento dos partidos políticos.
Embora
os governos anteriores já se utilizassem do hábito de financiar jornais para
que esses propagandeassem seus governos, na administração Getúlio Vargas, foi
criado um órgão especial para tratar da sua imagem e de sua gestão. O DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda–1939), não só lidava com jornais, mas
todo os meios de comunicação em que se pudesse ser vinculada informação
política. Utilizado comumente para censura, o DIP analisava desde notas de
jornal até qualquer tipo de informação lançada em rádios transmissores que
pudessem ser prejudiciais ao governo.
Os
ideólogos da época diziam que as pessoas se fariam representar por sindicatos,
não só em manifestações populares, como também por representações de qualquer
espécie. Absorvendo este entendimento, o governo Getúlio Vargas, vê no
sindicato uma maneira eficaz de controle e vigilância institucional. Todos os
segmentos sociais teriam direito a um sindicato, e este, deveria
obrigatoriamente ser registrado no também recém criado, Ministério do Trabalho.
“A tática de uniformizar o inimigo é
conhecida dos agentes totalitários [...] uma forma de nuclearizar a oposição
política e instrumentalizar sobre ela a repressão[2]”
O Ministério do Trabalho, órgão do governo, monitorava todas as movimentações
dos sindicatos, e portanto, dos trabalhadores. Em 1941, é criado o imposto a
ser descontado no contra-cheque em favor do sindicato. E ainda a criação da
Justiça do Trabalho, trouxe os sindicatos a esfera política, propiciando melhor
controle de seus atos. Ainda assim, o governo vincula a Carteira de Trabalho
aos ‘sindicatos legais’, chegando ao trabalhador –em todas as informações sobre
ele– mais rápido, e além disso, utilizando-a como meio coercitivo, já que
dependendo do que fosse anotado ali, quando demitido, essa pessoa poderia
voltar a trabalhar ou não.
Ainda assim, para melhor controle
social, a polícia contou com uma ampliação –não institucionalizada– de seus
poderes. Esta, desde 1930, ganhara inteira liberdade de ação, sendo que figuras
próximas ao governo empenhavam-se em desvencilhar a imagem do ditador Getúlio
Vargas das iniquidades da polícia política. Utilizavam-se do poder de deter e
prender as pessoas, ocultando-as dentro de um sistema penitenciário torturador,
ingnorando sistematicamente os alvarás de soltura emitidos pelo Ministério da
Justiça ou pelo Tribunal de Segurança. Era a polícia a única instituição a
decidir a sorte do cidadão considerado “ameaça a sociedade”. As prisões eram
utilizadas como finalidade de privar indivíduo de sua sanidade física e mental,
excluindo-o como “problema” para o Estado ditatorial. Sem qualquer condenação
formal da Justiça ou benefício da lei, estando ao bel-prazer dos Chefes de
Polícia, os detidos enfrentavam todas as práticas de torturas costumazes dos
sistema penitenciário. O Estado ditatorial atingia através da utilização da
polícia dois pontos principais para sua manutenção: a repressão a tudo e a
todos que eram ou pudessem se transformar em inimigos potenciais do regime, e a
conscientização da sociedade dos perigos e da violência a que seriam expostos
se decidissem se tornar inoportunos para o Estado.
Contudo,
o controle coercitivo que relegava a população ao poder, não era o suficiente
para tranquilizar aqueles que desfrutavam do poder. Era preciso fazer com que a
população “espontaneamente” cultuasse o líder que elegera. Em 1939, o DIP criou
o programa de radiodifusão ou “Hora do Brasil”. Após o golpe de 1937, nenhum
estabelecimento comercial, lugar público ou mesmo lugar privado, poderia
desligar o rádio quando o programa de rádio que falava das realizações
“maravilhosas” do governo entrava no ar. Getúlio Vargas, num verdadeiro
programa de culto a personalidade, era encarado diariamente, e principalmente
nos desfiles de 1º de Maio, como o ‘pai do povo’. A propaganda sobre o governo
mostrava a todos como “Pai do Povo”
falava à população e às crianças de maneira que pudessem entender; uma metáfora
que denota a liderança do presidente e a participação do povo na condução do
país.
Portanto, os mecanismos
institucionais de vigilância e controle social, como a alienação das agregações
populares ao governo, a criação de instrumentos de controle social como os
sindicatos legais, a Doutrina de Segurança Nacional, a polícia política e o
culto a imagem do “Pai do Povo”, convergiram para neutralizar as possibilidades
reais dos trabalhadores de tomar o controle no jogo do poder neste período.
Assim a ação deste Estado ditatorial com intuito de sua imposição e manutenção,
perdurou até 1945.
A “revolução de 30” não é apenas um fato, uma
data ou uma ação teórica neutra e desinteressada mas uma construção que se
efetiva por meio de práticas, discursos e memória dos sujeitos históricos
vitoriosos em 30. Se 1930 é o resultado de um exercício de poder, quais as
implicações políticas e historiográficas dessa construção e de sua aceitação
acrítica?
A
“revolução de 1930” é vista como um marco divisor de duas etapas da história
política brasileira, onde a política do “café com leite” é vencida por uma nova
proposta político-econômica, onde o país sofreria uma mudança necessária, no
sentido de “modernização” da nação. Contudo, no estudo de grupos políticos
existentes na época, mensuramos propostas políticas diferenciadas. É neste
ponto, onde o exercício do Poder pelos que “venceram” a corrida pelo comando do
país se fez, pois ao invés de serem relevadas as propostas políticas, fez-se o
máximo para que elas fossem apagadas, ficando apenas a “Revolução do Vencedor”.
Segundo
os autores Carlos Alberto Vesentini e Edgar Salvatori de Decca o processo de
memorização deste fato, induzindo a população a lembra-lo como uma mudança, uma
‘revolução’, se deu em duas etapas.
Para a identificação dessas etapas, é preciso demonstrar o discurso dos líderes
da proposta vencedora em seu esforço para exortar os anos anteriores como
daninhos a população, anos que precisavam ser superados num renascer da nova
consciência política nacional que seria ressaltado como resultado da revolução.
Este é um trecho publicado pela Imprensa Oficial de São Paulo, escrito pelo
Interventor Federal do Estado Waldemiro de Lima:
“Marca-se a
transição entre duas etapas de sua história política [...] um período de
política oligárquica como a que tivemos até 1930, suceda, [...] é evidente que
despertada do sono cataléptico que dormira, ao embalos dos cantos de sereia dos
reguletes que caíram em 1930, a Nação vê renascer a sua consciência política e
olha o futuro, com ânimo de caminha pelos seus próprios passos, sem a tutela de
falsos guias que conduziram ao desprestígio político e à ruína política... [3]”
Mesmo
após essas duas etapas, as mudanças não ocorrem como mutações de cenografia[4],
é necessário um período de transição entre um sistema político e outro. Este
ponto de transição é extremamente importante para a construção da ‘memória’, pois é nele onde o vencedor
declara ter realizado uma ‘revolução’,
construindo a sua imagem, espelhando-se em um prognóstico favorável para o
futuro, e condenando ao ostracismo um passado derrotado, envolto num saco de
propostas vencidas para um mesmo futuro. Sob
uma aceitação acrítica desta ‘memória’,
transformada em ente sagrado, vê-se o problema de esquecimento de propostas de
grupos rivais, tais como: o Partido Democrático, dissidência do PRP, que
admitir a luta armada caso suas contendas não fossem alcançadas legalmente; o
BOC, Bloco Operário e Camponês, que ameaçava a gestão getulista com a sua
concentração popular de ideologia socialista; e o movimento Tenentista, carente
de uma ideologia, mas defensor de pontos como a instituição do voto secreto e o
ensino fundamental para todos.
Portanto, a alienação do entendimento
histórico à ‘ótica do vencedor’, onde
o corte analítico não revela as propostas políticas diferenciadas existentes na
época, faz com que o estudo sobre o período da “Revolução de 30”, torne-se
incompleto e parcial. Desta forma, os “vencedores” tem justificadas as suas
ações na missão de levar a nação a modernidade, legitimam seus atos e feitos,
em detrimento de outras propostas, que procuraram condenar ao ostracismo.
Não obstante, para uma maior
eficiência de uma análise historiográfica, é preciso uma anamnésis que aborde tais propostas e processos diferenciados,
evidenciando a utilização do poder através de práticas, discursos e memória, em
prol da outorga da proposta vencedora. Assim evidenciaremos o desenrolar do
processo político brasileiro durante o ano de 1930, sem reverenciar como
verdade absoluta os “cantos de sereia dos
ruguletes”, os “falsos guias” e
muito menos o caminhar “por seus próprios
passos[5]”.
3. As explicações sobre a República no Brasil valorizam
sua implantação por meio de uma “proclamação”, como resultado de uma caminho
natural na “evolução” de nossa emancipação política, uma “fatalidade” ou
destino histórico do país. Apesar das primeiras décadas republicanas serem
marcadas por explosões de revoltas populares elas foram memorizadas como uma
etapa de “consolidação republicana”, na qual as disputas teriam sido travadas
apenas entre os grupos oligárquicos. A partir de textos e autores discutidos,
analise esses argumentos recuperando debates e movimentos que permitem colocar
em cheque essa memória.
Uma
intensa campanha republicana marca o final do século XIX, são grupos
desapontados com os rumos econômicos do país e com a política Imperial
implementada. A abolição da escravatura acaba por exaltar ainda mais a elite
agrária do Brasil, que preenche as fileiras republicanas, e os militares,
insatisfeitos com sua participação política, concentram-se sob uma nova teoria
que lhes dariam maior participação, a do soldado-cidadão.
A administração de Pedro II já apontava por rumos liberais, como no exemplo das
Leis de terras, de 1850 e a Lei de sociedades anônimas, porém a crise econômica
da época foi largamente atribuída a monarquia, que segundo os republicanos, de
tão atrasada, não poderia sequer exercer a condução concisa de escravos
libertos e também de ex-senhores de escravos à assinatura de uma novo ‘contrato social’, em meio a uma nova
divisão internacional do trabalho. Os militares, ansiosos por maior
participação política envolvem-se neste processo. Homens como Silva Jardim e
Lopes Trovão prometem através de comícios, da imprensa e de conferências
públicas, uma república democratizante, em que todo cidadão teria sua
participação. Após alguns anos de República, as massas populares começam a se
decepcionar com o novo sistema político, encetando protestos e movimentos
reivindicatórios.
“Nós, soldados e obreiros, artistas e
operários, devemos nos confundir na praça pública bradando a uma só voz:
Revolução![6]”
O exército, identificado como o povo,
plebeu e pobre, como dizia Raul Pompéia, realizou a “proclamação” da República,
colocando-se ao lado do povo neste processo. Na verdade, os soldados que pouco
tinham de participação nos rumos decisórios do país, viam na República, uma
chance de rever suas atuações políticas.
Mesmo após a “proclamação” da
República, algumas cisões dentro do exército, na vanguarda do processo de
consolidação da República, criaram grandes debates e discussões envolvendo a
sociedade civil e militar acerca do conteúdo e do decorrer deste processo. Os
militares estiveram a frente da República até 1894, quando Floriano Peixoto
deixa o poder, assumindo então um presidente civil, Prudente Morais.
No
campo civil, duas facções republicanas disputavam o comando do processo de
mudança, apresentando projetos relativamente diferentes: os Positivistas,
composto principalmente por oligarquias paulistas, ligavam-se as idéias
evolucionistas de Darwim admitindo portanto mudanças gradativas até a chegada
de uma República, e os Liberais, que insistiam na idéia de queimar etapas,
arvorando-se como único grupo capaz de liderar a recém “proclamada” República.
Os dois grupos promoveram ardorosas discussões que abordavam o que fazer com os
escravos libertos, sobre o conceito de cidadania –falando sempre do cidadão de
origem européia– ou sobre a expansão da representação política dos Estados,
federalismo. Denunciavam a ilegitibilidade das instituições políticas
monárquicas, denunciando a falsa liberdade implementada pelo imperador e a
falsa representatividade da sociedade, que estariam sendo encobertas pelo
despotismo real.
“A
liberdade de consciência nulificada por uma igreja privilegiada; a liberdade
econômica suprimida por uma legislação restritiva; a liberdade de imprensa
subordinada à jurisdição de funcionários do governo; a liberdade de associação
dependente do beneplácito do poder; a liberdade de ensino suprimida pela
inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial; a liberdade individual
sujeita a prisão preventiva, ao recrutamento, à disciplina da guarda nacional,
privada da própria garantia do habes corpus pela limitação estabelecida, tais
são praticamente as condições reais do atual sistema de governo[7]”.
Dentro do grupo liberal, são
discutidas as premissas baseadas no Laissez-faire,
bem como a participação da Igreja no Estado, sendo os contratos civis para o
nascimento, casamento e óbito regidos por ela. O cerne da proposta liberal é o
liberalismo econômico: o Estado como regulador e assegurador da liberdade nas
transações sociais; é o livre comércio, lei da oferta e da procura. Os
positivistas viam a república como uma ação regeneradora, de um novo começo,
dentro de um país ainda preso a valores coloniais e uma sociedade ainda
escravista.
Os dois grupos acordavam sobre o
caráter organicionista que deveria assumir a república, envolvendo toda a
população. O novo homem-republicano deve cooperar para o bom funcionamento da
estrutura republicana, essa cooperação retrata-se no assumir de uma função
dentro da sociedade. Desta maneira surgem as idéias de classes sociais,
indivíduos dotados da mesma aptidão funcional que se unem formando agregações.
O cidadão é posto novamente no
centro do debate, onde se discute a noção de “sujeito de direito universal”.
Entende-se por esta discussão, a nova relação de divisão internacional do trabalho,
onde não cabe mais a escravidão e todos as relações, e heranças dessas
relações, imanentes a um período onde não havia patrão-empregado. Neste
contexto é que a opção pelo imigrante europeu, surge como melhor maneira
pedagógica aos ex-senhores de escravos e aos libertos. São trabalhadores livres
assalariados que vieram “educar” a sociedade brasileira as novas necessidades
decorrentes no contrato de trabalho e
do contrato social.
O primeiro decreto da república
corrobora as intenções das elites de deixar o povo a margem do acontecimento.
Ainda assim, apesar da monarquia estar sempre identificada como sistema
ultrapassado político-economicamente, como uma sociedade teocrática, e que não
admitia a participação popular, os republicanos pouco ofereceram ao povo:
Retira a obrigatoriedade de ensino que o Estado deveria dar, acabando com o
direito a educação; cria obrigatoriedade de alfabetização para o voto,
“enxugando” os eleitores que agora deveriam eleger seus representantes; criação
do código criminal de 1890, onde a greve era proibida e os trabalhadores
tornavam-se mais desprotegidos em favor dos empregadores e; dentro da saúde, a
Constituição de 1891 retira os socorros públicos. Liberais como Rui Barbosa,
demonstravam que por trás destas ações estava a intenção de diferenciação entre
sociedade civil –cidadãos inativos– e
sociedade política –cidadãos ativos–.
Estes últimos, os que possuíam o direito ao voto direto, além de acumularem os
direitos civis, constituíam-se dentro das elites brasileiras.
Não
obstante, a “história dos vencidos” é pouco abordada e, torna-se importante
ressaltar que não apenas essas propostas estiveram em pauta de discussão. O
socialismo e o anarquismo apresentam-se como combatentes do liberalismo, em um
período de intensa movimentação de idéias, quase sempre vindas da Europa. Em
contraposição ao crescimento de valores burgueses, a criação de agremiações que
contrariavam o direito a propriedade ou o militarismo, tomavam as ruas e
demonstravam que a República não tinha sido “proclamada” e que aquele não
precisava ser o destino da nação brasileira. Uma população que fora conclamada
a participar da mudanças, tendo como fim a República, que até pelo seu próprio
nome inspirava as massas a participação nas decisões políticas dos rumos a serem
tomados pelo país, via-se mais e mais enganada.
“Não
será [...] que a República é o regime da fachada, da ostentação, do falso
brilho e luxo de parvenu, tendo como repoussoir a miséria geral?[8]”.
A elite republicana, amedrontada, via em cada
aglomeração da população, seja de escravos ou de homens brancos, uma ameaça a
sua integridade. E no intuito de se manter no poder, tentando garantir a sua
opção como única, lança mão a partir daí, cada vez mais do aparato policial
para conter as convulsões populares, mantendo-as controladas através de uma
lógica de assalariamento. Segundo Heloísa de Farias Cruz, a repressão policial
aberta retratava as reais condições de relação entre o operariado e o Estado.
Durante todo o período de “consolidação da república”, a polícia foi pensada
como organizadora das relações de trabalho, uma instituição capaz de agir e
pensar sua atuação sobre um país sem uma constituição republicana e uma grande
sociedade que estava francamente em revolta. Ter endereço fixo e comprovante de
trabalho em mãos era talvez a única defesa do brasileiro que não queria ser
identificado como vadio e levado para as chamadas “casas de trabalho”, estas,
lugar onde eram castigados fisicamente aqueles que não queriam trabalhar
conforme o novo Contrato de trabalho.
“A questão social é um caso de polícia[9]”
O
povo, sem representação política nos rumos do país, tomava as ruas fazendo-se
ouvir através de movimentações reivindicatórias, contestatórias e de protestos.
A não aceitação dessa outorga de propostas republicanas se fez valer para além
da ideologia socialista ou anarquista. A história excluída de episódios como o
da Revolta da vacina, a Revolta dos Pelados e a chamada Guerra de Canudos, dão
o tom de quem estava insatisfeito e procurava uma saída diferente da
“Proclamação” da República.
Em 1904 acontece a chamada Revolta da
Vacina. Rodrigues Alves –presidente– coloca Oswaldo Cruz como responsável pela
saúde, este, cientista renomado, decide que a melhor forma do combate as pragas
do Rio de janeiro e do país é a adoção da prática de vacina obrigatória. Embora
a lei de vacina obrigatória já existisse, não havia cumprimento desta lei, e, a
própria classe médica não entrava num consenso sobre a eficácia da vacina.
Outro fator de resistência da população era que a vacina era feita a partir de
uma animal já infectado, isso fazia com que o povo, já ressabiado, não
aceitasse como de boa vontade a vacina. Os jornais da época, que fazendo
oposição a gestão republicana de Rodrigues Alves, mal deixaram ser implementada
a vacina, denunciando apenas a intenção do governo. A oposição faz realmente
uma festa com o acontecimento, ressalta que agora, uma administração que se
propunha liberal, obriga as pessoas a se vacinar, autoriza aos agentes de saúde
a entrar nas casas e a obrigava transeuntes a se vacinar. Assim como a varíola,
a peste bubônica e a febre amarela assolavam o país. O povo, insatisfeito com a
administração republicana cria a ‘Liga contra a vacina obrigatória’, já os
militares, levantam-se contra o governo, alunos da escola militar confrontam-se
nas ruas com o aparato policial, os anos de “consolidação” republicana
definitivamente não se caracterizavam pela paz e aceitação popular. A grande
pressão popular, através de resistência organizada, manifestações e confrontos,
fizeram o governo recuar e abandonar o projeto.
Outro caso de enfrentamento à
República dá-se no nordeste da Bahia, onde um homem chamado Antônio Vicente
Mendes Maciel, bem nascido e de boa educação, transformado em Antônio
Conselheiro pela fome e miséria do lugar onde vivia, queimou em praça pública
os Editais de cobrança de novos impostos e afirmou que o presidente republicano
não poderia governar como um monarca constituído por Deus. Antônio Conselheiro
criou uma comunidade igualitária na Cidade Santa de Belo Monte, isso irritou os
grandes fazendeiros, que perdiam seus camponeses em favor da terra que era
considerada o “refúgio dos desprotegidos
e espoliados”, um verdadeiro refúgio para aqueles que não aceitavam viver
com o que consideraram uma república inócua aos interesses do povo. Casos como
o de Canudos, foram tratados e identificados como ameaças em prol da
restauração do sistema monárquico, para que ficassem à margem da “verdadeira” e
“única” proposta política a ser implementada no Brasil. Bem como no exemplo de
descaso com a população nordestina, a Revolta dos Pelados aparece tendo um
caráter religioso, e também a característica de insurgência contra o novo
regime que queria desapropriar as terras dos colonos. Estes embuídos da ‘palavra
de Deus’ resistiram até serem dizimados pelas tropas do exército.
Portanto,
vemos que termos como ‘evolução’, ‘fatalidade’, ou ‘destino histórico’ não
devem ser utilizados como definição da “proclamação de nossa República”, sendo
ela claramente outorgada e mantida através de duras penas. Vemos também que as
ideologias influenciaram o povo brasileiro a não aceitar a todas as imposições
feitas pela República, bem como os excluídos de nossa história fazem-se ouvir
em movimentos como a Revolta da Vacina, a Guerra de Canudos e a Revolta dos
Pelados. Assim, identificamos não as oligarquias ou os militares, apenas como
sendo os grupos dispostos a governar, mas também, variadas disposições
políticas e ideológicas interessadas em tomas as rédeas do desenvolvimento da
nação brasileira.
As principais questões historiográficas
levantadas por Sílvia Lara sobre a exclusão dos negros da história dos trabalho
no Brasil.
Primeiro
deve ser ressaltado que apesar da abolição da escravatura no Brasil não ter
ocorrido no bojo de uma guerra civil, esse acontecimento sempre foi considerado
como marco temporal separador da história brasileira. A autora ressalta os
trabalhos criados acerca do tema, demonstrando o hiato existente no período pré
e pós-abolicionário. Trabalhos feitos por
historiadores brasileiros, analisam a oposição entre escravidão e
liberdade –este último, mesmo tendo variadas interpretações, é utilizado para
caracterizar o trabalho assalariado–, concentrando-se em estudar e escrever apenas
sobre o chamado período de substituição
do escravo negro pelo trabalho livre assalariado, chamado de período da transição ou período de formação do mercado de trabalho livre.
Esses conceitos preocupam-se apenas em estabelecer teorias explicativas sobre a
transição da escravidão para o trabalho livre assalariado, alguns chegando a
radicalização da tese de substituição,
eliminando o negro escravo de nossa história e admitindo o imigrante europeu
como trabalhador assalariado. Ainda sobre o conceito de liberdade, tratam os historiadores, como se este fosse
imprescindível ao trabalho assalariado, ao contrário do que é observado nos
dias atuais, em que baixos salários e altos custos de vida, por vezes,
escravizam pessoas em áreas pouco distantes dos centros urbanos do país.
Assim, as análises feitas por Sílvia
Hunold Lara, sobre a história do trabalho no país, não tem se preocupado em
estudar o trabalho escravo, permanecendo apenas os estudos sobre o trabalho
livre assalariado do pós-abolição, sobre tudo ao que diz respeito ao imigrante.
O imigrante, branco, foi exaltado como força de trabalho mais eficaz, em
detrimento da força de trabalho negra, por muitas vezes destacada como
ineficiente. O recém criado contrato de trabalho exigia um trabalhador moldado aos
ditames da nova divisão internacional do trabalho. Em localidades como São
Paulo, onde a oferta de mão-de-obra imigrante era grande, torna-se fácil
entender porque os empregadores preferiam os brancos: as exigências dos negros
para aceitar empregos eram maiores do que a dos imigrantes, priorizavam as
condições de trabalho em relação aos salários. Um negro recém libertado,
analfabeto e desinformado, apenas via a sua frente a liberdade de poder sair do
local onde por anos fora acorrentado e mal tratado. Os anos que um ser humano
passa preso e mal tratado, ele não esquece, por isso, os libertos preferiam
sair da fazenda onde estavam, mesmo que agora libertos e com salário para
trabalhar, e tomar novos rumos, memo que fosse para outras fazendas de
ex-escravistas. Seja nas cidades ou no meio rural, os ex-excravos eram pintados
como mal trabalhadores, sendo o imigrante italiano pintado como mais apto, como
a melhor opção para o empregador –idéia
de transição, substituição.
A partir daí, a idéia de
substituição, aliada aos números impressionantes –todos documentados– de
imigrantes chegados no Brasil, contra a ausência de dados censitários sobre os
negros, tornou-se uma espécie de paradigma para os pesquisadores da história do
trabalho. Os estudos acadêmicos sociológicos dos anos 50/60 –inauguração de uma
tradição de estudos sobre a classe operária–, tratam da pouca de consciência da
classe proletária e do estabelecimento de um sindicalismo controlado pelo
Estado, ignorando sistematicamente o trabalho negro escravo –e também indígena–
que perdurara durante séculos. A historiografia, guardando muitos aspectos da
sociologia, não fora muito mais longe. Presa a temas econômicos e políticos, e
mesmo com uma maior abertura de temas durante a década de 70, também mantinha-se
distante dos estudos do trabalho escravo, considerando o período anterior a
vinda de imigrantes italianos para o Brasil como a pré-história do trabalho.
Dentro
dos termos abordados, conclui-se que a produção historiográfica do decorrer
século XX, que se baseia muitas vezes em explicações economicistas,
utilizando-se de dados demográficos incompletos e por vezes ignorando dados
sobre o trabalho escravo, não dá o reconhecimento necessário da experiência de
vida de milhares de homens e mulheres negras, extraindo portanto a importância
histórica da mão-de-obra afro-brasileira.
Portanto,
em concordância com a autora, creio que o resgate da experiência negra na
história social do trabalho permite a melhor compreensão das questões acerca da
discriminação e das tensões raciais do presente. Seria preciso voltar a visitar
as fazendas, voltar a se informar sobre as greves e manifestações
reivindicatórias promovidas por escravos, tendo agora uma nova ótica para
melhor compreensão da contribuição negra para a história do trabalho no Brasil.
Fontes bibliográficas:
LARA, Sílvia Hunold. “Escravidão, cidadania e
história do trabalho no Brasil”. In: Projeto História. São Paulo. PUC/SP, nº16.
Fev. 1998, pp. 25-38.
BARRETO, Lima. Crônicas Escolhidas. São Paulo. Folha
de São Paulo/ Ática. pp. 45-46.
CARVALHO, José Murilo de. “A República que não foi”.
In: Os bestializados. São Paulo, Cia
das Letras, 1987.
BRESCIANI, Maria Stella. “O cidadão da República”.
In: Dossiê Liberalismo/Neoliberalismo.
Revista da USP, São Paulo, USP, nº17, Mar./Mai. 1993.
CRUZ, Heloísa de faria. “Mercado e Polícia,
1890/1915” In: Revista Brasileira de
História, São Paulo, 7 (14) : 131-150.
Filme: Revolução de 30, Sylvio Back, 1980.
Filme: A
guerra dos pelados, Sylvio Back. 1971.
LENHARO, Alcir. “Pátria como família”. In: LENHARO,
Alcir. Sacralização da política.
Campinas, Papirus, 1986, pp. 19-51.
VESENTINI, Carlos Alberto & DE DECCA, Edigar. ”A
revolução do vencedor – considerações sobre a constituição da memória histórica
a propósito da revolução de 1930”. São Paulo, Ciência e Cultura, vol. 29. Jan.
1997.
Documento: Crônica semanal de “O País”, 16/11/1889 e
a Crônica da Semana da “Gazeta de Notícias” Apud: CAMPOS PORTO, Manoel Ernesto
de Apontamentos para a História da
República. SP. Brasiliense, 1990, [2ª ed. Selecionada por José Sebastião
Witter].
Pereira, Leonardo ª de Miranda. As barricadas da saúde: vacina e protesto
popular no Rio de Janeiro da primeira República. São Paulo, Editora
Fundação Perseu Abramo, 2002, pp. 9-64.
Cancelli, Elisabeth. “O poder da
política e o mundo da prisão na era Vargas (1930-1945)”. História &
Perspectivas. Uberlândia (7) 47-64. Jul. –dez. 1992.
Bretonha, João Fábio. “A máquina
simbólica do integralismo: controle e propaganda política no Brasil dos anos
30”. História & Perspectivas,
Uberlândia, n.7, -dez. 1992, pp. 87-110.
[1] Segundo
Foucalt, relações de Poder, com “P” maiúsculo, relação entre o indivíduo e o
Estado, sendo poder com “p” minúsculo, definidor de relação entre indivíduos.
[2] LENHARO,
Alcir. “Pátria como família”. In: LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinhas. Papirus, 1986, p 35.
[3]
VESENTINI, Carlos Alberto & DE DECCA, Edigar. ”A revolução do vencedor –
considerações sobre a constituição da memória histórica a propósito da revolução
de 1930”. São Paul, Ciência e Cultura, vol. 29. Jan. 1997. p. 25.
[4] Idem. Escrito também pelo Interventor Federal
Waldomiro de Lima.
[5] Idem. Três citações entre aspas escritas pelo
Interventor Federal Waldomiro de Lima.
[6]
CARVALHO, José Murilo de. “República e cidadanias”. In: Os bestializados. São Paulo, Cia das Letras, 1987, p. 51.
[7]
BRESCIANI, Maria Stella. “O cidadão da República”. In: Dossiê Liberalismo/Neoliberalismo. Revista da USP, São Paulo, USP,
nº17, Mar./Mai. 1993, p. 126.
[8] BARRETO,
Lima. Crônicas Escolhidas. São Paulo. Folha de São Paulo/ Ática. p.46.
[9] CRUZ,
Heloísa de faria. “Mercado e Polícia, 1890/1915” In: Revista Brasileira de História, São Paulo, 7 (14) : 131-150.
Citação de Washington Luís.
Nenhum comentário:
Postar um comentário