Ficha Técnica:
Data da produção: 2001
Estilo do filme: Guerra
/ Drama
Título em português: Fomos
Heróis
Título em inglês: “
We Were Soldiers ”
Diretor de arte: Tom
Sander
Diretor de fotografia: Dean Sempler
Diretor geral: Randall
Wallace
Filme de: Randall
Wallace e Mel Gibson
Atores: Mel Gibson,
Madeleine Stowe, Greg Kinner, San Elliot, Chris Klein, Keri Russel, Barry
Pepper.
Duração: 138
minutos.
Sumário do
Filme:
O filme mostra a entrada
dos E.U.A na guerra do Vietnã em
novembro de 1965. A película aborda a dificuldade dos franceses (
antecessores aos americanos na região ) e posteriormente os próprios norte
americanos em sua tentativa de expansão do imperialismo na Ásia com a marcação
de território/área de influência ( período da Guerra Fria ). Era necessário
“barrar” o perigo vermelho do norte e assim os E.U.A enviam o Coronel Hal Moore
com um destacamento de quatrocentos combatentes para o Vale de La Drang.
Os valores Ianques tradicionais tais como o mito do
“herói que resolve tudo, protetor e imbatível” ; a teoria do Destino Manifesto;
a Democracia e Liberdade; são atualizados em mais esta produção hollywoodiana
(vide descrição de cena que segue).
Análise do Filme
Ao analisarmos um filme
levando em consideração a linguagem e os recursos próprios do cinema utilizados
pelos diretores, percebemos algumas especificidades que caracterizam o estilo
do filme e compõem, juntamente com a história narrada, a esfera de importância
da obra cinematográfica para a análise da sociedade.
Em “Fomos Heróis”, alguns aspectos técnicos da
produção são empregados de modo que revelam a subjetividade da construção das
imagens. Portanto, cada cena e sua edição, estão permanentemente carregadas de
significado, como se fossem as entrelinhas do filme.
O filme em questão privilegia as locações externas,
explorando a fotografia idealizada dos grandes épicos no Vale de La Drang.
Isso fica claro nas tomadas geralmente feitas em plano aberto e/ou aumentando o
zoom, do particular para o geral, como nas cenas em que os helicópteros
americanos chegam ao Vietnã. Poucos são os cenários internos, sendo compostos,
principalmente, pela casa do comandante
e pelo quartel general dos vietcongues. Uma outra tomada de cena interessante e
que também explora a locação é feita com
o ângulo da câmera de cima para baixo, sinalizando o movimento de cada um dos
combatentes, numa perspectiva que dá a impressão de se tratar de um jogo de
tabuleiro.
“Fomos Heróis” se propõem a atualizar uma epopéia,
como a Odisséia de Homero ou Os Lusíadas de Camões, o filme, obviamente
dispondo de muito mais recursos, narra a aventura de um povo, se lançando em
uma batalha contra um inimigo desconhecido, porém, ainda assim destaca a figura
do herói que personifica os anseios e valores da sociedade em que vive, um
mito. Essa característica é explicitada na sobreposição do tempo do filme com a
história da 7ª Cavalaria de Custer, remetendo às origens formadoras do povo
americano. A variação na aproximação da imagem, na maioria das vezes extremada
– close e plano aberto – , também reflete essa perspectiva do épico que
supervaloriza o herói sempre captado em close-up.
Trabalhando na questão da supervalorização do
personagem heróico, além das cenas em que ele está em close, o foco
exclusivamente no primeiro plano, desfocando todo o resto, ratificam esse
conceito. A posição da câmera revela ângulos que expressam a posição de comando
de Mel Gibson, sempre de pé e algumas vezes tomado de baixo para cima, como se
estivesse sendo visto pelo soldado subordinado ao chão.
A edição da fita é feita sem muitos cortes, na grande
maioria das vezes as cenas são longas e rodam continuamente, até porque se
tratam de cenas de guerra. Mesmo quando há corte de uma cena para outra essa
passagem se dá seguindo um eixo de nexo, sem rupturas bruscas e fragmentadas.
Em algumas seqüências o andamento do filme é
modificado passando para câmera lenta. Isso é feito geralmente em cenas de
violência extrema, como a que o soldado americano mata um vietcongue e
permanece espancando-o com o descanso do fuzil com muita raiva. Além de enfocar
a questão emocional, a passionalidade, torna a seqüência esteticamente bonita e
acaba por amenizar um pouco a agressividade ali contida. Demonstra mais a
sensação de dever cumprido do soldado americano que o massacre ao vietnamita.
As músicas incidentais utilizadas contribuem para
interiorizar no espectador a tentativa épica da produção. Variando da marcha
militar a um tema de musicalidade religiosa o fundo musical valoriza a cena e
atinge o inconsciente repleto de significações. A marcha militar caracteriza a bravura
dos soldados norte-americanos e seu andamento associado ao rufar de tambores
remete às incursões dos antigos exércitos – como a cavalaria de Custer – sendo
atualizado na visão do diretor do filme. O caráter missionário do exército
americano explorado em “Fomos Heróis” é potencializado pela música de tom
religioso, com uma melodia melancólica, reflete a imagem de mártires que se
arriscam, lutam e morrem por uma causa que transcende a eles e a própria esfera
mundana.
Outro aspecto que se destaca no filme, e que é
fundamental para corroborar o seu estilo, é a elaboração dos diálogos. Não
há quase nunca diálogos curtos, num tipo
fático de linguagem. As falas dos personagens são densas, carregadas de
informações e tem um tom e um estilo que
as aproxima de um discurso. São diálogos
em que se percebe uma forte ideologia, como na cena em que o comandante da
cavalaria explica o significado da guerra para a filha caçula dizendo a ela que
ele iria matar homens para que esses homens não fizessem o mesmo com ele. Até
mesmo nas falas das mulheres dos soldados nota-se esse caráter discursivo,
argumentando a defesa da pátria e um pertencimento à nação independente de
outros fatores que explicitem uma diferença, demonstrado em uma cena em que
todas elas fazem uma reunião e uma delas exalta o patriotismo do marido negro,
apesar da descriminação que sofriam.
Até mesmo o silêncio das personagens não é apenas
casual. Vide a tomada de cena em que são sobrepostas as fotografias da batalha
do Custer e da guerra do Vietnã com o Mel Gibson as olhando. Funciona, a partir
da máxima que uma imagem vale mais que mil palavras e que diante de tal cena
faltam palavras para descrever.
A produção de um filme, principalmente quando é
feita pela indústria cinematográfica, é rica em recursos e possibilidades áudio
visuais. Em “Fomos Heróis”, tudo isso é bem aproveitado e explorado, uma vez
que o filme é enriquecido com metáforas e uma subjetividade que ao mesmo tempo
em que empurra o espectador a se ludibriar com o discurso salvacionista puramente
ideológico – marca do cinema norte-americano – também aguça o poder reflexivo
desse espectador, dá alguns indicativos
para se pensar a guerra, as relações internacionais norte-americanas e seu
discurso sob outro ângulo.
O filme “Fomos Heróis” possibilita as mais diversas
reflexões críticas acerca não só dos valores liberais como também do ideal
propagado pelos norte-americanos tomado especificamente. Embora esteja inserido
na perspectiva revisionista mais recente – com produções que tendem a repensar
a atuação dos Estados unidos nas relações internacionais – “Fomos Heróis”,
ainda assim deixa transparecer a valorização do individualismo e a crença no
destino manifesto.
Sem dúvida, a cena mais representativa, ou que,
talvez possa ser melhor explorada para a análise aprofundada daquilo que
perpassa a questão do roteiro, é a que antecede a partida dos soldados para o
Vietnã. É uma seqüência longa em que o Coronel Hal Moore faz um discurso
perante seus soldados e suas famílias.
Em primeiro lugar, a cena mostra com clareza os
diversos agentes sociais envolvidos no conflito. As famílias daqueles que estão
indo para a guerra, os militares do alto comando, os soldados e até mesmo os
vietcongues, que, embora não apareçam na cena, são citados pelo comandante.
Esta seqüência é precedida pela cena em que são
sobrepostas imagens do passado e do presente. Custer e sua cavalaria pertencem
ao período de expansão territorial dos Estados Unidos, em que tropas iam em
direção ao Oeste ocupando territórios e exterminando índios num movimento
conhecido pela historiografia como imperialismo interno. Traçando um paralelo
com o Vietnã, percebem-se as semelhanças
óbvias da postura imperialista norte-americana no século XX. Só que
fazendo, além da expansão territorial – através de áreas de influência e
protetorados – a expansão do próprio capitalismo e a incorporação do modo de
vida americano.
A seqüência do discurso começa com o personagem do
Mel Gibson dizendo que aquela era a 7ª Cavalaria (mesmo título da cavalaria do
Custer), e, neste instante, helicópteros perfilados dão um vôo rasante sobre o
campo onde é feito o discurso. No exército moderno, à divisão de cavalaria
correspondem os tanques e helicópteros, sendo os últimos denominados de
cavalaria aero-transportada, deixando clara aí as pretensões expansionistas dos
americanos. Nesta cena ainda é mostrado, em pé e ao lado de um helicóptero, um
soldado que leva na cabeça um chapéu com o símbolo da cavalaria (uma corda em
forma de laço e uma faca) no melhor estilo far
west, novamente contrapondo o fato histórico com o tempo presente do filme.
Durante o discurso, por diversas vezes, a opção de
zoom é o close-up em Mel Gibson, e, em algumas ocasiões colocando o foco apenas
nele em primeiro plano, ficando o segundo fora de foco. Assim consegue-se
sobrevalorizar a figura do herói, que individualmente toma para si as
responsabilidades e também as glórias. E nesta passagem específica há
praticamente a personificação do mito associado ao lendário Custer.
Enquanto a câmera vai percorrendo toda a extensão
de espectadores, ao longo da fala do comandante, algo que é muito interessante
de se notar são as famílias, compondo quase que exclusivamente a platéia,
representadas uniformemente seguindo os padrões da sociedade burguesa: esposa
ressentida; criancinhas loirinhas, e tudo isso harmonicamente combinado. A
expressão da família feliz digna do comercial de margarina, durante todo o
filme é explicitada, mas nessa cena elas são captadas seguindo um padrão, o que
enche de significado a idéia.
As palavras do discurso feito pelo Coronel Hal
Moore são muito significativas para a leitura crítica da seqüência. Em uma
parte de sua fala ele faz uma menção ao Vale da Sombra da Morte, que, embora
possa ser associado ao local da batalha – de fato um vale – também remete a um
trecho do salmo bíblico do Bom Pastor, que diz:
“Ainda que eu caminhe pelo vale da sombra da morte, não
temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me
consolam”[1]
Essa consideração reflete
claramente a crença americana de se considerarem o povo escolhido por Deus para
realizar a missão civilizadora.
A religiosidade, discurso inerente a formação do
Estado independente Norte Americano, pode ser notado no Destino Manifesto ou
mesmo em vários documentos produzidos antes e depois de 4 de julho. Em todos
eles, os EUA são sem dúvidas um povo favorecido por Deus:
“... já é hora de separar-nos. Inclusive a
distância que o Todo-Poderoso interpôs entre a Inglaterra e as colônias
constitui uma prova firma e natural de que a autoridade daquela primeira sobre
estas nunca fez parte dos desígnios do Céu.”[2]
Em outro trecho do discurso de Mel Gibson, que, vale
ressaltar, assemelha-se com uma pregação religiosa, observa-se:
“_ Vocês cuidarão do homem ao seu lado como ele
cuidará de vocês.
_ E não se
preocuparão com a cor dele ou com o nome
que ele dá a Deus.
_ Estamos
deixando nossas casas? (gesto negativo
com a cabeça).
_ Nós vamos
para a casa que sempre deveríamos ter (...).
_ Vamos
para um combate contra um inimigo duro e determinado”
Nessas palavras, o sentido americano de liberdade e
democracia transparece, mas talvez não de forma tão óbvia quanto se pode chegar
a pensar. A exaltação da diferença, claramente evidente quando se ordena que os
soldados descartem as diferenças étnicas e religiosas entre eles, acentua um
caráter democrático da cultura dos Estados Unidos da década de 60 que de fato
não existiu, aceitando plenamente a alteridade principalmente em relação aos
negros. No entanto, apesar da tentativa do filme em salvar as almas do povo
norte-americano, o que fica subentendido na expressão “vamos para a casa que
sempre deveríamos ter” é o fato dessa igualdade só existir no contexto da
guerra, a democracia plena, dentro do solo americano é uma ilusão, somente
enquanto soldados de um mesmo regimento e sob condições bastante adversas é que
as diferenças são desconsideradas.
Diferentemente das produções cinematográficas
mais antigas, em que os vietcongues eram retratados como um bando desorganizado
de esfarrapados que pulavam de árvores ou idiotizados a ponto de um soldado
norte-americano conseguir sozinho fazer peripécias dentro do território
vietnamita, a perspectiva revisionista desse filme se evidencia quando o Coronel
Hal Moore diz que o inimigo que eles iriam enfrentar era duro e determinado.
O final do discurso,
composto pela frase, dita pelo personagem de Mel Gibson
“Deus me
ajude”
termina de elaborar todo o
quadro até então exposto pela análise da cena, pois ratifica uma visão
totalmente voltada para o individualismo. É como se ele estivesse afirmando que
se nada ocorresse a ele, ou seja se Deus de fato o ajudasse, estaria tudo bem
para todos.
As conclusões finais que se pode atribuir ao filme são as
da confirmação da tendência americana, ainda hoje, de se considerarem os
escolhidos divinos, sua crença, quase incondicional, na sua missão civilizadora
e a forte ideologia que vem juntamente com essa tendência. Pois, de certo modo
é assim que os Estados Unidos justificavam e ainda justificam sua política
externa intervencionista. No filme, em momento algum se toca na questão da
bipolarização mundial e na necessidade de demarcação de áreas de influência,
mas explicitamente se pinta a figura de heróis que sobrevivem a várias
dificuldades pela sua pátria.
Uma observação final deve ser feita em relação a fita
dublada do filme “Fomos Heróis”, nesta não consta a dublagem das falas dos
vietcongues, perdendo-se aí muitas informações de caráter totalmente relevantes
para o perfeito entendimento do filme. Portanto, apesar do esforço
revisionista, mais uma vez despreza-se o papel daqueles que não são
considerados os mocinhos do filme. Porque o tratamento que se dá aos
vietcongues nessa fita dublada é o dado aos bárbaros, que falam uma língua
ininteligível e por isso não merecem tradução.
Crítica do filme:
O bonequinho viu, indica...
“Fomos heróis”

Fontes bibliográficas:
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma Proposta metodológica para a análise
histórica de filmes. Niteroí, UFF, 1999.
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992.
BETTON, Gérard. Estética do cinema. São Paulo: Martins
Fontes, 1987.
BÍBLIA SAGRADA, Salmo 23,
Edições Loyola
PAINE, Thomas. O senso comum. Documentos. 10 de Janeiro
de 1776.
FURTADO, Celso. A hegemonia dos Estados Unidos e o
subdesenvolvimento da América Latina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978, 2ª parte.
DONOGHUE, Denis. “Os
verdadeiros sentimentos da América” IV: Berlowitz, L & Donoghue, et alli
(org.) A América em teoria, Rio de
Janeiro: Forense Universitário, 193, parte IV, p. 215-232.
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