Mímesis e O Banquete à luz da Poética de Aristóteles.
Apesar
do pouco desenvolvimento da comédia como forma de arte na obra de Aristóteles,
tentaremos neste trabalho realizar uma leitura de O Banquete, de Platão, sob
algumas feições encontradas na Poética. Embora nos concentremos especificamente
na afirmação de que as personagens são caracterizadas piores do que realmente
são, trazendo, portanto, citações da obra de Aristóteles, também traremos a
visão de Platão da arte, para melhor entendimento de sua obra. Também para o
desenvolvimento de nosso trabalho, uniremos ao nosso estudo alguns aspectos
interessantes da ética de Aristóteles, que nos ajudará a entender a construção
dos personagens como melhor ou pior do que se espera de um cidadão da polis.
PLATÃO E A MÍMESIS
Platão é considerado o primeiro filósofo a pensar a
arte. Sua filosofia da arte consiste na idéia de que a arte não passa de cópia
da realidade, que por sua vez já é considerada uma cópia. A própria visão de
qualquer coisa ou objeto já seria uma cópia reproduzida pelo olho do que
determinada coisa ou objeto realmente é. O platonismo aponta o distanciamento
desta arte, considerada de base sensível, portanto, enganador. A busca pela
arte parece então, em Platão, uma busca pessoal para atingir o inteligível, ou
seja, se distanciar dos sentidos, na busca pelo universal.
Por conta disso, a arte é mimética em Platão, uma
espécie de cópia da cópia. Imitação da realidade. É considerada uma cópia com
valores, carregada de convenções e adequações. Cada obra de arte seria uma
síntese subjetiva de determinada sociedade, num determinado espaço do tempo, o
que a torna incompatível com o platonismo, que busca os universais. A busca por
universais é a busca por algo que está além do tempo, é comum a todos os entes,
portanto, esse seria o grande problema entre a arte e Platão. Sua proposta de
conhecimento está ligada a concepção de que o mundo real é o mundo das idéias,
onde as experiências sensíveis não tem efetiva importância porque são
relativistas. O ideal (universal) é
de fato em Platão, o real.
A mímesis
como arte, e portanto, cópia da realidade inaugura a idéia de arte como cópia
da realidade, artificial, que tem como meio os sentidos do artífice. Desta
forma, a arte se distancia dos universais, se distancia da filosofia de Platão,
que aponta a arte como produtora de ignorância, indutora ao erro.
Contudo, embora a arte leve o homem para o caminho do erro, alguns tipos de arte têm importância na filosofia platônica.
O contrário do sedutor-visual, que causa enganos
porque baseia-se no sensível, existem ainda artes que Platão considera como
mais intelectualizadas. As artes, participantes do sistema de conhecimento de
Platão, estariam escalonadas desde uma base sensível até um ápice inteligível,
como desenhamos acima. Por exemplo, a música teria uma grande importância na
educação dos jovens, pois poderia conduzi-los ao desenvolvimento de suas
capacidades mentais, o que por conseguinte, elevaria a capacidade de abstração
destes até ao nível do inteligível. A dança é considerada pelo mesmo, como um
desdobramento da música, servindo para a construção e o exercício da cidadania,
para a educação e pedagogia. Dentre todas a poesia era a que mais obrigava ao
esforço intelectual, e portanto, era a mais apreciada por Platão.
‘PIORES DO QUE ELES REALMENTE SÃO’
Dentro do segmento estudado no curso
de Estética III, nos concentraremos
nas poucas afirmações de Aristóteles sobre a comédia, sempre realizadas em
comparação com a tragédia. Entre elas:
[Representação de homens
superiores e inferiores] A mesma diferença se encontra na tragédia e na
comédia; esta procura imitar os homens inferiores ao que realmente são, e
aquela, superiores. p.39.
Uma vez criadas a tragédia e
a comédia, os poetas, segundo a inclinação natural, tendiam a uma outra;
alguns, em lugar de jambos, escreveram comédias; outros, em vez de epopéias,
voltaram-se para a tragédia, por ser superiores e mais estimados do que os
primeiros. p.41.
A comédia, como dissemos, é
imitação de gentes inferiores; mas não em relação a todo tipo de vício e sim
quanto a parte em que o cômico é grotesco. O grotesco é um defeito, embora
ingênuo e sem dos; isso o prova a máscara cômica, horrenda e desconforme, mas
sem expressão de dor. p.42.
Importante entender a mímesis, pois em O Banquete o poeta-autor não aparece. Há, desta forma, uma
narrativa onde Apolodoro, que imita seu mestre Sócrates ao andar descalço,
tenta imitar a realidade de um acontecimento,um banquete servido por Agaton em
comemoração a premiação obtida por uma de suas peças. Contudo, prevalece a
idéia de Platão de que a arte, através da comédia, produz homens sem vergonha.
Percebemos isso em várias situações grotescas em que as personagens se colocam
em posição de ridículo.
Ao final das palavras de Pausânias,
chega a vez de Aristófanes falar. Contudo, Aristófanes, escritor de comédias e
vencedor de vários prêmios, começa a soluçar sem parar, por conta da grande
quantidade de comida que ingeriu já no início do banquete. Neste momento pede
ajuda ao médico Erixímaco, que o receita reter o fôlego e passar a sua vez de
falar.
Acreditamos
neste, como um exemplo de perda do meio-termo,
presente na ética aristotélica, o que leva Aristófanes a uma situação de
ridículo perante seus convivas.
Talvez Platão tenha descrito essa situação exatamente por conta da peça de
Aristófanes: Os convivas. Erixímaco,
em sua explanação ainda compara o amor aos prazeres da mesa em tom de ironia: É igualmente difícil regular harmonicamente
a função dos prazeres da mesa, sem acarretar os incômodos do corpo. p.55.
Ao
final Aristófanes responde:
O soluço
cessou, sim: mas não sem que eu lhe houvesse infligido um espirro. E
maravilhado fico de que, para restabelecer a harmonia do corpo, fossem
necessárias as cócegas e estrépitos do espirro. Mas o caso é que, com o
espirro, me passou o soluço.
Erixímaco: Cautela, caro Aristófanes! Vê o que fazes,
brincando no momento de tomar a palavra. Com isso me obrigas a vigiar-te as
palavras para ver se se prestam a fazer rir, quando de fato, te era lícito
discorrer em paz. p. 57.
No
decorrer do texto, a chegada de Alcibíades e sua conversa com Sócrates,
evidenciam mais um exemplo de homens ‘sem-vergonha’, como havia exposto Platão.
Alcibíades é reconhecido por ter sido educado por Péricles, ter sido também um
grande estratego, vitorioso em batalhas contra Esparta. Mesmo com isso, Alcibíades
é retratado como um homem que já chega bêbado ao banquete, reclamando do interesse
de Sócrates por Agaton. Sócrates retruca, pedindo a Agaton que o tirasse desta
situação de embaraço, pois o amor desmedido de Alcibíades, recorrentemente,
levava a excessos de ciúme e inveja.
Alcibíades
discursa com um tom de ironia, falando sobre as qualidades de Sócrates, as como
ele as utiliza para manipular a agir com injustiça com relação com o próprio
Alcibíades. Quando todos já haviam falado e a bebida já havia tomado conta de
quase todos, Alcibíades tenta se aproximar de Sócrates, mas não consegue por
conta da chagada de novos convivas.
O
meio-termo aristotélico é apenas seguido por Sócrates, que não se embebeda,
deixa o Banquete enquanto todos dormem, mantendo-se distante dos excessos grotescos
cometidos pelo seu ex-aprendiz, Alcibíades.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Poética.
Col. Os Pensadores. Ed. Nova Cultural. São Paulo, 2000.
HESSEN, J. Teoria
do conhecimento. Editor Sucessor. Coimbra, 1973.
PLATÃO. O
Banquete. Edipro. São Paulo, 2007.
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