Narrativas
fílmicas
a
história representada pelo cinema

Ana Paula da Rocha Serrano
|
André Luis de Oliveira Maciel |
Andréia Lima Anselmo de Jesus
|
Fabio de Souza Corrêa Lima
|
Marcelo de Souza
|
Miguel Ângelo
|
Susana Orozco Morais
|
A importância das imagens como legitimadora de
acontecimentos cresceu durante os séculos desde o início da Idade Moderna,
acentuando-se com a descoberta de Daguerre e com o cinema. Os filmes históricos
nasceram com o cinema em vários países, tais como França, Japão, Rússia e China
foram os primeiros realizados, porém muitas destas películas seguem um padrão
hollywoodiano, reduzindo a história a um jogo de paixões e aventuras.

“É preciso
aplicar esses métodos a cada um dos substratos do filme, às relações entre os
componentes desses substratos; analisar no filme tanto a narrativa quanto o
cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor,
a produção, o público, a crítica, o
regime de governo. Só assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra,
mas também da realidade que ela representa”.[1]
Sendo assim, o
filme não pode ser observado somente através de suas significações como obra
cinematográfica, não vale somente por aquilo que testemunha, mas também pela
abordagem sócio-histórica que autoriza.
Robert A.
Rosenstone fala em um “mundo dominado pelas imagens”. Partindo deste princípio
e de que maioria da população não é formada por especialistas em História, os
meios audiovisuais não podem ser totalmente descartados, o que preciso ficar
claro é que são filmes, que têm por traz o olhar do diretor e que não podem ser
encarados como realidade mesmo em caso de documentário: a escolha dos filmes,
sua dinâmica e características estão intrinsecamente ligadas as preferências do
diretor. Deve ser analisada a capacidade do cinema de “mostrar” o passado em
movimento, criando com isso uma falsa idéia de realismo, pois toda pretensa
reconstrução, fílmica ou escrita, do passado será, somente, uma das possíveis
interpretações, pois não se abrem “janelas para o passado”. Os filmes sempre
serão uma sugestão do ocorrido, entretanto tendem a dar respostas no lugar de
suscitar questões. Como
analisou Rosestone, atualmente “cada vez más la gente forma su idea del passado
a través del cine y la televisión, ya sea mediante películas de ficción,
docudramas, series o documentales”.
No meio
cinematográfico a história não significa o mesmo que para os historiadores. Ou
seja, dificilmente se referem a fatos, acontecimentos, dados que os
historiadores se utilizam para reconstrução da história. Seus esforços se
concentram na criação e manipulação dos significados do passado, num discurso
com poucos dados, um jogo sem regras de significados e significantes da
história. (Robert A.
Rosenstone)
Baseada na
perspectiva delineada até então a análise dos filmes Nós que aqui estamos,
por vós esperamos de Marcelo Masagão (2001); O descobrimento do Brasil
de Humberto Mauro (1937) e Cidadão Kane, de Orson Welles (1941), todos
com um forte apelo histórico, procurará demonstrar a relação que a narrativa
fílmica tece com a narrativa histórica.

Iniciando o
filme com a Primeira Guerra Mundial e seguindo adiante norteado, segundo o
próprio autor, pela visão de “breve século XX” do historiador Eric Hobsbawm em
“A Era dos Extremos”, Masagão cria um aparente antagonismo que se funde para
retratar o século XX. Morte e vida, o filme faz uma banalização da morte em
contraposição a vida, sobre este aspecto o cineasta leva o público a um
julgamento do período de que trata e uma visão pessimista sobre a vida, no
entanto, em momento algum o cineasta deixa isso claro, utilizando a forma
documental e os recursos técnicos de cinema como discurso de autoridade, logo,
produz um filme com apelo emocional que é delineado dentro de uma estética
cinematográfica associada à informação e ao estatuto de verdade.
O filme
pressupõe um prévio conhecimento histórico de seus espectadores, pois ele se
apropria de fatos reais e fictícios, confundindo o receptor que não consegue
distinguir a realidade de ficção, já que o filme não tem locutor e nem
depoimentos, mas tem uma narrativa construída em torno de frases que aparecem
na película e que são quase que automaticamente assimiladas pelo expectador
como interpretação da imagem. Os personagens envolvidos não têm relação com as
histórias contadas, mas o efeito produzido pela junção de imagem e palavra cria
uma espécie de conto histórico semelhante a obra de Richard Sennet “A Corrosão
do Caráter”, que através de histórias pessoais tenta demonstrar as
transformações ocorridas no mundo contemporâneo pós-fordista.
A sonorização
no filme não é feita apenas de música e efeitos sonoros, mas também de vários
momentos de silêncio que se remetem a acontecimentos históricos. Todavia, como
o filme não tem diálogo, a sonorização, e fundamentalmente a música, se torna
de suma importância na construção do filme, pois caracteriza e marca as cenas
além de ser escalonada como um épico repetido várias vezes, de modo que, a
percepção sensorial do espectador vai sendo enebriada com a música regendo os
acontecimentos e envolvendo o espectador neles, ou seja, um recurso utilizado
para despertar mais emoção do que razão. Como exemplo, podemos observar a cena
em uma linha de montagem em que a música ritmada dá ênfase à ação cronometrada
do personagem (com relógio em evidencia) na qual o foco principal é uma linha
de produção acelerada.
Um outro fato
notado no filme é o contra ponto guerra e arte, como na cena em que aparecem
diferentes ditadores expressos de forma artística enfatizada com vozes sobrepostas.
O diretor demonstra sua preferência quando na cena da lua estão os rostos de
Che Guevara, Gandhi, Martin Luter King, John Lennon. Caracterizando-os como
benfeitores da história e que já estão no céu. Embora, o que é importante
notar, não faça menção à participação americana nos grandes acontecimentos
militares e políticos do século.


Dentro da
proposta do INCE e do Estado Novo, Humberto Mauro opta pela visão da tradição,
iniciada pelo IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ainda na
primeira metade do século XIX, em que se inicia a construção da nacionalidade
brasileira, através de uma História oficiai, baseada em documentos oficiais
(leia-se do Estado) e grandes personagens e acontecimentos, o que explica a
escolha da Carta de Caminha. Assim, índio é infantilizado e romantizado,
colocado como elemento passivo de uma História estetizada. A música de
Villa-Lobos, que marca o filme de falas mínimas, aponta para um Brasil querendo
se projetar como país erudito, rejeitando a cultura popular. Com isso, a
alternativa a uma narrativa de História social é descartada, onde o índio como
ator histórico ativo não seria apenas um apêndice na representação do
descobrimento.
Alguns diretores
tentam romper essa estrutura, seguindo uma linha experimental, como Glauber
Rocha e Cacá Diegues, e outros procuram recriar o passado sendo os mais fieis
possíveis as fontes analisadas. Neste ultimo caso temos o exemplo do filme de
Humberto Mauro. O diretor, seguindo uma fórmula tradicional de cinema
histórico, criou um filme com principio, meio e fim bem delimitados e também
procurou passar uma mensagem de progresso e otimismo com a chegada dos povos
mais “avançados” naquela terra religiosa, moral e tecnicamente “atrasada”. Em O Descobrimento do Brasil, a respeito de
dar forma a História através de imagens, H. Mauro utilizou recursos fílmicos
para dar mais “realidade“ a narrativa. Levando em consideração as fontes
utilizadas, a Carta de Caminha e
pinturas do século XIX, o figurino auxilia o espectador a diferenciar
personagens, assim como a construção da caravela especialmente para as
filmagens o aproxima do entendimento de uma navegação. Por outro lado, a
intenção confessa do diretor de contar o fato como um repórter dentro do navio,
com closes das expressões dos personagens, gera problemas de perspectiva. O
olhar do diretor–repórter dando caráter documentarista ao filme e sobrepondo o
escrivão, redirecionam o foco. Outro ponto a se problematizar na obra do
cineasta brasileiro é a tendência deste de comprimir o passado, interpretando-o
de forma linear e formalista, tentando enquadrá-lo, no sentido literal do
termo, numa visão verdadeira, quase verídica do acontecimento, isto é, como se
o cineasta tivesse vivido o acontecimento.
Fazer uma crítica ao clássico é sempre um desafio
para o historiador, pois na maioria das vezes o adjetivo oculta uma série de
extensões como: a frente o seu tempo; atual em qualquer época e similares que
tendem ao caráter a-histórico.



É interessante notar que esses valores
tradicionais, provenientes do discurso dos pais fundadores da nação
norte-americana, expressam uma necessidade de motivar o soerguimento de uma
sociedade em crise reativando as velhas crenças e ideologias. Sem deixar,
contudo, de representar o caráter da sociedade capitalista o filme começa e
termina com a inscrição “No trespassing” em close – não ultrapasse, entrada
proibida... – a propriedade privada, a necessidade de se manter o outro à
distância.
Uma coisa que sentimos falta no filme foi a eterna
luta de classes, os embates Patrão x Operário. No “Inquire” foco central do
filme, os 457 empregados parecem viver a vida de Kane ao invés de viverem suas
próprias vidas. As alegrias e tristezas de Kane são as alegrias e tristezas dos
funcionários. Não percebemos as normais disputas internas nos quadros das
empresas, principalmente um tempo pós 29 e pré-guerra. Todos parecem estar na
Disney ou num anuncio de carro, sempre sorrindo e tudo bem.
A parte as
inovações nas técnicas de filmagem, também responsáveis pela construção do
sentido narrativo do filme como aponta Ciro Flamarion[2], o
que de fato chama a atenção e impressionou a crítica em Cidadão Kane foi a
experimentação de novas linguagens no cinema. Os exemplos mais claros disso são
as imagens feitas no estilo de um documentário com a câmera filmando as cenas
parcialmente como se estivesse escondida, misturando todo o tempo realidade e
ficção, como o final do “NEWS on the MARCH” em que o caráter de documentário
realista que é construído por Welles quando mostra Kane isolado em Xanadú
através do posicionamento da câmera que produz uma imagem tremida e obtida por
detrás de muros e arbustos, como se captadas furtivamente por um paparazzi.
. O filme conta
a história de Charles Foster Kane através de narrativas de personagens que conviverem
com ele mediado por um jornalista incumbido de fazer uma matéria sobre o
cidadão que havia morrido. Portanto, a narrativa tem um caráter polifônico, são
várias vozes, todas participando ativamente do filme (inseridos na diagese).
Orson Welles joga todo tempo entre um filme de ficção e um boletim
jornalístico, como o cine-jornal no início da película que trás uma espécie de
documentário (nos moldes dos filmes de propaganda de guerra veiculados nos anos
de 1940/44 por EUA, Alemanha, Inglaterra, etc.) o “NEWS on the MARCH”, que é um
filme dentro do filme a aborda a morte de Kane. É de se reparar na música de
fundo da abertura do “NEWS on the MARCH”, uma marcha quase militar ao estilo
dos informativos de guerra supra citados, que apresenta a história de Kane para
o espectador, mas na verdade está sendo exibido para ele, pois quando a câmera
revela um plano maior mostra um grupo de jornalistas assistindo ao jornal.
Assim sendo,
cabe ressaltar que a perspectiva histórica presente no filme de Welles aparece
em diversas instâncias e pode ser percebida nos recursos utilizados pelo autor
na construção de sua narrativa, mesmo, como afirma Ferro, involuntariamente,
sem a intenção de expressar qualquer elemento de historicidade de determinada
época.
Referências Bibliografia
BURKE, Peter. Testemunha ocular:
história e imagem. São Paulo: Edusc, 2004.
CARDOSO, Ciro F. ...
FERRO, Marc. História e Cinema...
LAGNY, Michele. Cine e Historia: problemas y métodos em la
investigación cinematográfica. Barcelona: Bosch Casa Editorial,
1997.
LINO, Sônia. “A história no cinema de
Humberto Mauro: uma análise do filme ‘O descobrimento do Brasil’ –1937” IN: Lócus:
Revista de História, Juiz de Fora, vol. 7, nº 1, p. 27-41, 2001.
ROSENSTONE, Robert. El pasado de imágenes: el desafio del cine a
nuestra idea de historia. Barcelona: Editorial Ariel S.A., 1997.
Nenhum comentário:
Postar um comentário