A Grande Guerra mudou a Europa e redefiniu as forças
no cenário internacional. Para muitos autores, iniciou o século XX.
Aparentemente, um conflito local que se transformou em guerra mundial e, em
guerra total.
A questão do nacionalismo é
extremamente importante para explicar o clima de Guerra total existente na
Europa no começo do século XX. Ele serve como o principal elemento do recém
inserido Estado ou Corpo Político, para agregação da população sob um mesmo
território, sob um mesmo governante. Surge um tipo de ‘estadania’, em que a
quantidade de cidadãos trabalhando para o Estado cresce muito em toda a Europa.
A escola por sua vez, mostra-se uma grande arma das elites governantes –“um artefato cultural[1]”-
que vulgariza a educação pública, consolidando uma única língua nacional e
moldando os operários aos seus interesses. É a implantação do nacionalismo
individualista, em detrimento de movimentos socialistas proletários que eram
internacionalistas e ganhavam força, em meio a industrialização dos países
europeus e a exploração dos operários. Socialismo, aliás, que gerou o medo –futuramente
entendido- de uma revolução intensa na Europa, e que Marc Ferro, apontou como
uma grande energia aproveitada para a guerra, é claro utilizando-se dela com o
devido controle.
“...partindo
para a guerra, os soldados de 1914 haviam encontrado um ideal de reserva que,
de qualquer forma, substituía as aspirações revolucionárias[2]”
As práticas existentes, herdadas das
chamadas “Tradições”, são alteradas no sentido de fortalecer ou mesmo de criar
uma unidade nacional. São canções folclóricas, hábitos esportivos e
alimentares, que são utilizados e institucionalizados, elevando o orgulho do
povo em pertencer a determinada pátria. Ainda assim, fomenta-se os sentimentos
nacionais, exaltando lendas antigas, muitas vezes distorcidas (ufanismo).
Contudo, toda essa transformação é utilizada no sentido da identificação
nacional em comparação com o ‘outro’, o outro é aquele que ameaça a unidade
nacional, aquele de fora, o culpado pelas mazelas sofridas pelos cidadãos.
Os franceses deveriam ter ódio dos
alemães, desde a guerra franco-prussiana, em que perderam o território da
Alsácia e Lorena. Os russos tiveram os Tártaros, turcos, polacos e alemães como
seus flagelos, e o ‘pobre’ império Alemão, ‘coitado’, estava cercado. O mais
importante desde já, é relembrar conflitos passados, derrotas se houvessem,
fomentar a noções de superioridade de um povo em relação ao outro, criar desejo
de “revanche[3]”.
Desta
forma, o destino de cada nação estava ligado a luta contra um inimigo
hereditário. Todos claro, com um toque de interesse econômico, pois no caso de
Alemanha e Inglaterra, estes não tinham um passado de rivalidade. A Alemanha vislumbrava
nos próximos anos, a possibilidade real de ser a principal economia européia. A
Rússia, interessada em melhor industrializar seu país, faz acordos com a França
e Inglaterra, e estas, as duas principais forças imperiais, temiam o surgimento
de uma nova potência econômica concorrente, a Alemanha.
Os interesses nacionais, são
explicitados pelas expansões imperialistas, contudo, nem sempre as políticas
diplomáticas são eficazes. A região dos Balcãs, envolta em um sentimento de
pan-eslavismo sofria o assédio de anexação pela Sérvia, que sonhava em um
grande país onde todos os eslavos estariam abrigados. O Império Austro-Húngaro
e o Império Turco-Otomano, visavam a anexação de territórios naquela área,
enquanto o Império Russo, que apoiando a independência dos Eslavos, almejava
aumentar sua influência na região. A Alemanha, com acordos definidos como o
Império Autro-Húngaro, firma a Tríplice Aliança. De outro lado, a Rússia,
dependente de financiamentos externos para sua industrialização, firma acordos com
a França e Inglaterra. Estes dois últimos, resolvem suas rivalidades sobre a
dominação de Marrocos no acordo Entente Cordiale, dividindo também as áreas de
influência na África. Esse esforço diplomático, visava deixar de fora a
Alemanha, que com equipamentos e tecnologia moderna, floresce sua indústria,
ameaçando os lucros de França e da ‘senhora
dos mares’.
Assim, o chamado ‘capitalismo
monopolista’ e os desdobramentos que levaram a guerra, esvaziaram os ânimos
daqueles que esperavam viver em uma era maravilhosa, gerada pelo gênio
inventivo humano, uma era de desenvolvimento tecnológico, racionalismo e artes,
enfim, de Belle Époque. A disputa pela hegemonia imperialista aumenta a cada
dia, e guerra precisa apenas de um estopim para acontecer. Sobra apenas,
àqueles que não queriam a guerra, a revolta e a emigração, como no caso dos
italianos vindos para o Brasil. A sensação de infelicidade é tanta, que
ressurge em meio aos intelectuais, o misticismo, a fé religiosa, e uma gama
leituras parecidas com que chamamos hoje de livros de auto-ajuda.
A 28 de junho de 1914, o herdeiro do
trono Austro-Húngaro, Francisco Ferdnando, é assassinado pelo grupo separatista
Mão Negra em Saraievo, atual capital da Bósnia. O arque-duque assassinado tinha
concepções liberais, o que não agrada muito a família real. Com a sua morte, a
visão predominante agora seria de alguns militares beligerantes, que tanto o
criticavam quando vivo. A Áustria apoiada pela Alemanha, exigiu a apuração
sumária do assassínio, exigiu que o governo sérvio condenasse a propaganda
sérvia na Hungria em Diário-Oficial. Além disso, caso fossem aceitas as
condições, um outro ponto daria certeza do início do conflito: a Sérvia deveria
ceder grande parte de seu terrritório a Bulgária e Albânia. Como isso não foi
feito, a Áustria declarou guerra a Sérvia. A Rússia entra na guerra para ajudar
os ‘irmãos’ eslavos da Sérvia. A
Inglaterra e França, com os acordos feitos com a Rússia também aderem a guerra.
O Império Turco-Otomano uni-se a Alemanha, que declara-se como único país que
defende os direitos ultramar, atraindo temporariamente a Itália, outro país de
unificação e industrialização tardia (que em 23 de maio de 1915 muda de lado).
“A necessidade faz a lei[4]”
Começa
a Grande Guerra em 4 de Agosto de 1914.
A crença em uma guerra rápida era
cultuada por todas as nações e mostrou-se evidente no plano Schlieffen, plano
alemão que visava a derrota da França em 40 dias e posteriormente a
concentração de todas as suas forças no ataque a Rússia. ‘Como associar uma guerra a uma época de tal evolução, de tal progresso
industrial?’ pensavam os autores de guerras de ficção da época. A idéia de guerra
rápida levou muitos soldados a preferir a luta, ao invés de ficar em casa, pois
seria uma chance de viajar, de conhecer novos lugares, podendo representar até
uma chance de ascensão social. Contudo, para a Alemanha a guerra desde o começo
não se mostrara um passeio, pois estavam abertos dois flancos de combate, o
ocidental, contra a Inglaterra, França e posteriormente EUA e o oriental, tendo
como principal inimigo a Rússia.
As invenções humanas pareciam apenas
esperar o momento ‘certo’ para serem utilizadas, e a guerra foi a oportunidade.
É aí mais uma vez que o ‘gênio humano’ se impõe, porém agora, na utilização de
máquinas de morte. São experimentados gases venenosos como o mostarda, os lança
chamas, os zepelins, agora utilizados para guerra, os submarinos e os tanques,
estes últimos, desenvolvidos para vencer a famosa guerra de trincheiras.
É na batalha de Marne que surge a
tática da guerra de trincheiras. As trincheiras conseguem relativizar o poderio
militar alemão, dando a guerra, um caráter estático, por cerca de três anos e
meio. Os soldados, locados em buracos feitos no chão, ora feitos por eles, ora
feitos por bombas, ou mesmo protegidos por sacos de areia, não conseguem
avançar ou recuar, não podendo derrotar definitivamente o inimigo. “Estes caminhos entrincherado está cheio de
cadáveres de diferentes sítios. Ali estão também os moribundos, na lama,
agonizando, pedindo-nos de beber ou suplicando-nos para lhes pormos fim[5]”.
É sem dúvida, a trincheira, a forma mais eficaz de degradação humana na guerra.
Os homens mal conseguem retirar os mortos diante de seus olhos, não conseguem
dormir, comer, beber. Nessa altura, a morte lhes parece um boa solução.
Contudo, os ‘soldados heróis’ não devem capitular, devem morrer antes de ceder
um milímetro de terra, seguir figuras que se fizeram lendárias como o Foch e
Ludendorff.
A Alemanha, em 1917, impõe o
bloqueio naval a Inglaterra, afundando qualquer navio estrangeiro chegasse a
Grã-Bretanha. Os EUA, que mantinham um lucrativo comércio com os países da
Entente e mesmo com países adjacentes, que forneciam alimentos e armas aos
países da Tríplice Aliança, tiveram seus interesses econômicos ameaçados, razão
–para os norte-americanos- mais que suficiente para ingressar na guerra.
Enquanto os EUA decidem-se pela Entente, os búlgaros optam pela Aliança. A
Rússia, concretizando o medo capitalista, leva a cabo a sua revolução
socialista (bolchevique), o maior medo das nações capitalistas, assinando o
tratado de Brest-Litowsk, um tratado extremamente desonroso, onde perde parte
de seu território –Polônia russa, Finlândia, Ucrânia, Lituânia, Letônia e
Estônia- e, é também forçada a pagar restituições a Alemanha em sua saída da
guerra. Mesmo com a saída da Rússia, a entrada dos EUA enceta um novo fôlego a
Tríplice Entente.
A partir dos meses de junho a julho
de 1918, apoiados por pesada artilharia e pela viação, a Entente começa a
acumular várias vitórias. Os italianos derrotaram os austríacos, e forças
anglo-americanas já rompiam as linhas de defesa alemães.
Já pensando no final da guerra e nas
oportunidades de ganhos na reconstrução dos países europeus (inclui-se a
Alemanha), os EUA, na figura do presidente Wilson, expõe os chamados ’14 pontos
de Wilson’. Uma proposta claramente liberalizante, que não agradou a França,
que queria ser indenizada pela Alemanha, por ter seu território invadido, e
também não agradou a Inglaterra, que não via com bons olhos a quebra de sua
hegemonia nos mares. No cerne desses dois países, era mais importante engessar
o poderio militar e econômico da Alemanha –como ficou acordado no tratado
pós-guerra-, para que ela não voltasse a ameaça-los. As negociações ente o
presidente americano Wilson e Guilherme II começaram. Os alemães, desejosos
pelo armistício antes que os inimigos se apercebessem de sua iminente derrota,
recuavam passo a passo dos territórios ocupados, enquanto as conversações se
seguiam. A Entete por sua vez, não aproveitava-se da situação, agindo com o
maior cuidado possível para que o acordo fosse realmente eficaz.
Em 18 de novembro de 1918, a
Alemanha assina o armistício que para eles ficou conhecido como “Ditado de
Versalhes”, ou para os países vencedores, “Tratado de Versalhes”. A Alemanha
ficava invariavelmente condenada a
humilhação de ter que restituir à França a região da Alsácia e Lorena e deixar
que esta explorasse a região do Sarre, uma bacia carbonífera, por 25 anos.
Restituir também terras a Bulgária, Dinamarca, Lituânia e, no caso da Polônia,
uma extensão de terra que dava a ela uma saída para o mar –o corredor polonês-.
Perderam também todo seu império colonial, e ainda assim, os alemães deveriam
pagar as tais indenizações punitivas e ter seu exército e todo seu poder
beligerante limitado. Não satisfeitos com isso, os países da Entente também
obrigaram a Alemanha a se responsabilizar inteiramente pela guerra. Os outros
países da Tríplice Aliança também enfrentaram represálias através de outros
tratados. Saint-Germant e Trianon extinguia com o Império Austro-Húngaro,
criando vários outros países, Sèrvres e Lausana ao Império Turco-Otomano,
também criando novos países, e o tratado de Nenlly à Bulgária, que perdeu suas
costas marítimas para a Grécia.
Como perspectiva para o futuro,
dentro de países destruídos, ardia a realidade do envelhecimento da população e
a desorganização das famílias. Os empréstimos oferecidos pelos norte-americanos
(David e Yong) alimentavam a inflação, o desemprego, a fome e com ela a
desesperança. A Alemanha amargava anos de miséria, de humilhação, anos em que
com a herança do nacionalismo se viu crescer a xenofobia e o revanchismo. A imposição da limitação bélica a
Alemanha, um país de tradição militar, levou muitos jovens a ingressar em
grupos para-militares, que alimentavam os sentimentos de ódio aos que lhe
impuseram essa humilhação. O nacionalismo é, ao final da guerra, novamente
visto como ponto aglutinador das famílias européias, principalmente das classes
médias, mais empobrecidas no pós-guerra, operando novamente com a idéia de que “as razões das mazelas sociais encontram-se
no outro, naquele identificado com o estrangeiro[6]”.
Família, Trabalho e Pátria, é o lema de ex-combatentes. Grupos que herdaram o
gosto pela violência na guerra, como os fasci
italianos, são imitados na Alemanha –nazi-,
proclamando o anti-socialismo e a hostilidade a plutocracia. Contudo ainda
esperava por todos os países e principalmente pela Alemanha, a década de 20,
com uma da piores crises que o sistema industrial capitalista já viu, levando
ao poder forças políticas militares e de extrema direita.
O caminho da Belle Époque fora
definitivamente seccionado, e tudo que essas nações conheciam agora era o
caminho da força e da violência. Exaltando-se uns melhores que os outros, os
europeus marchavam com o espectro da miséria, com a desesperança no coração e
com suas bandeiras ao ombro, já manchadas e sangue, todos, rumo a uma nova
catástrofe.
Bibliografia:
FERRO,
Marc. A Grande Guerra, 1914-1918. Lisboa, Edições 70, 1990.
MOTTA,
Marcia. A primeira grande Guerra. O
século XX. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.
TANGER, Terence e HOBSBAW, Eric. A invenção das tradições. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1997.
HOBSBAWM, ERC. A era dos impérios – 1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
________________. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1990.
[1]
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo
desde 1780. Rio de Janeito, Paz e Terra, 1990. p.135. Citação de Einar
Hauer.
[2] FERRO,
Marc. A Grande Guerra, 1914-1918. Lisboa, Edições 70, 1990. p. 20.
[3] MOTTA,
Marcia. A primeira grande Guerra. O
século XX. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.
[4] FERRO,
Marc. A Grande Guerra, 1914-1918. Lisboa, Edições 70, 1990. p. 70.
[5] Idem. p.
125. Trechos de cartas.
[6] MOTTA,
Marcia. A primeira grande Guerra. O
século XX. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.
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