O
desarraigamento da juventude hoje na cultura do narcisismo.
Como
sobreviver eticamente numa “cultura mercantilizada, corrupta e vulgar?
INTRODUÇÃO
No intuito de colaborar criticamente na construção de seu texto,
percebo que poderia sugerir alguns temas a serem abordados com um pouco mais de
profundidade. Percebemos no decorrer de nossos estudos aqui na academia, que o
principal problema de comunicação entre os filósofos e seus alunos -e entre os
próprios docentes-, diz respeito a definição conceitual de seus discursos. Os
desentendimentos, comuns em todas as disciplinas, ocorrem para além dos sensos críticos teoricamente ‘apurados’,
também pela comercialização de uma educação que desconstrói a prática de
‘aprender a aprender’ ou ‘aprender a ouvir para aprender’. Desta forma, tão
importante ao trabalho que desenvolver, é o estudo daquilo que chamamos Ideologia. Uma definição do cerne deste
conceito que levaria ao entendimento de ideologias como a do medo. Trago esta proposta, pensando
estar em consonância com a introdução de seus próprios escritos:
Numa
preocupação informativa e didática, nos propomos, neste ensaio, oferecer uma
análise dos modelos culturais dominantes em nosso mundo globalizado, marcados
por um individualismo exasperado que se difunde em nível de massa e transforma
estilos e comportamentos de vida cotidiana[1].
Ao escrever um
trabalho sobre ideologia, tive acesso a tese de doutorado da historiadora Vera
Malagitti, que mais tarde se transformou em um livro, citada em uma de suas
aulas. A historiadora resume em O medo na cidade do Rio de janeiro: dois
tempos de uma história, o medo como método de manutenção da Ordem Social (sem dúvida, uma questão
importante dentro do tema tratado em seu texto):
O
medo torna-se fator de tomadas estratégicas no campo econômico, político,
social e cultural. O medo corrói a alma, e sociedades assombradas produzem
políticas histéricas de perseguição e aniquilamento. O medo também paralisa:
nos medos de ontem, como nos de hoje, não se questiona a violência de uma
sociedade tão desigual e tão rigidamente hierarquizada, mas proclama-se por
mais pena, mais dureza e menos garantias no combate do que ameaça, criando uma
espiral aparentemente infinita que vai afastando cada vez mais o debate das
questões nodais da história do Brasil: igualdade, liberdade acesso à terra,
direitos, enfim, o protagonizo econômico, social e cultural do povo brasileiro[2].
Em um sentido mais amplo,
alcançado por seu trabalho, que até agora percebo não estar focado no caso
brasileiro, ou mesmo fluminense, Jean Delumeau, em História do medo no
ocidente, cita mais exemplos de produções ideológicas que moldam os indivíduos
de acordo com o modus vivend das
elites sociais.
Gostaria também,
professor, de sugerir uma abordagem mais em Althusser e Foucault da ‘instrução
como mercadoria’, ou seja, como através do nível de ensino acrítico realizado
nas escolas públicas (e também nas privadas, visto que a qualidade do ensino
público nivela a qualidade do privado), as elites sociais mantêm seu status quo. Também pela ação de
destruição do poder aquisitivo da população, mantêm-se as pessoas confinadas à
um tipo de lazer controlado espiritualmente e materialmente, como tentaremos
expor mais adiante. Chico Buarque canta:
Pela piada no bar e o
futebol pra aplaudir...
Um crime pra comentar e
um samba pra distrair...
Deus lhe pague!
Por essa praia essa
saia, pelas mulheres daqui...
O amor mal feito
depressa, fazer a barba e partir...
Pelo domingo que lindo,
novela, miss e gibi...
Deus lhe pague![3]
IDÉIAS SOBRE O CONCEITO DE IDEOLOGIA E INSTRUÇÃO COMO
MERCADORIA
O medo
corrói a alma, e sociedades assombradas produzem políticas histéricas de
perseguição e aniquilamento[4].
Todos nós conhecemos a
famosa fórmula segundo a qual a religião
é o ópio do povo, isto é, um mecanismo para fazer com que o povo aceite a
miséria e o sofrimento sem se revoltar porque acredita que será recompensado na
vida futura ou porque acredita que tais dores são uma punição por erros
cometidos numa vida anterior. Desta mesma forma, a esperança funciona como meio de fazer com que a população continue
apática quando o assunto é melhoria das condições de vida. Passeatas, protestos, abaixo-assinados... nem pensar! Devemos ter
esperança, fé de que tudo irá melhorar, como nas mensagens de televisão de todo
fim de ano. Contudo, as doutrinas religiosas de longe foram ultrapassadas
pela sofisticação das novas ideologias que invariavelmente levam em seu nome o
sufixo ‘ismo’.
Pensamos a ideologia como
produzida em três momentos fundamentais: a) ela se inicia como um conjunto
sistemático de idéias que os pensadores de uma classe em ascensão. Nesse
momento a ideologia se encarrega de produzir uma universalidade com base real
para legitimar a luta da nova classe pelo poder; b) ela prossegue tornando-se o
que Gramsci denomina de senso comum,
isto é, ela se populariza, tornando-se um conjunto de idéias e de valores concatenados e coerentes, aceitos por todos os
que são contrários à dominação existente e que imaginam uma nova sociedade que
realize essas idéias e valores; c) mesmo após a vitória da classe que ascende
ao Poder, a ideologia continua interiorizada como senso comum e continua a nortear a nova Ordenação Social.
Podemos utilizar como
exemplo de introdução de uma ideologia, as próprias idéias e valores presentes
no dia de hoje (o que valoriza mais a nossa idéia: usar o capitalismo contra
ele mesmo). O Antigo Regime (Sociedade de Estamentos – Nobreza, Clero e Plebe +
Burguesia), ruiu diante de uma nova ideologia que pregava liberdade de comércio
e igualdade jurídica para todos os homens, sendo amplamente aceita pela
população. A burguesia, através de comícios, teatro, jornais e escolas que
controlavam, introduziram essas idéias, bem como exploraram a imagem dos reis e
do clero em situações de ridículo, fazendo com que a população identificasse o
Antigo Regime como algo ruim, de violência contra a população. Desde então, a
classe burguesa chegou ao Poder e pode fazer com que seus novos valores e
idéias continuassem a vigorar, tal como ainda é nos dias de hoje. O que podemos
tirar da experiência de Revolução Francesa é que quando a população descobre a
ideologia dominante, descobre que está sendo explorado, então se rebela.
Embora a ideologia tenha
a aparência de coerente como ciência, como moral, como tecnologia, como
filosofia, como religião, como pedagogia, como explicação e como ação, isso
ocorre apenas porque não diz tudo e não pode dizer tudo. Se dissesse tudo,
se quebraria por dentro. Ou seja, se nós conseguimos ver a ideologia por
dentro, sabendo até que ponto ela entra em nossas vidas e o que ela quer de
nós, ela finalmente, não poderá mais fazer efeito em nós. O que queremos dizer
que a ideologia tem por característica se esconder, aparentando ser um conjunto
de idéias que não favorece a ninguém, não ajuda ninguém a permanecer no Poder,
desta forma, as classes dominadas continuam a crer que as coisas são como são, sem ter a menor possibilidade de mudança.
Se a dominação e a exploração de uma classe for perceptível como violência,
isto é, como poder injusto e ilegítimo, os explorados e dominados se sentem no
justo direito de recusá-la , revoltando-se. Por este motivo, o papel específico
da ideologia como instrumento da luta de classes é impedir que a dominação e a
exploração sejam percebidos em sua realidade concreta.
Assim, para que a
população continue crédula de que não controla sua vida e que tudo depende de
um Ente superior, cujas vontades são insondáveis, elas devem permanecer
alienadas. Devem acreditar que não constroem ou participam da história, devem
acreditar que são apenas agentes passivos na vida que levam. A esperança de que
as coisas vão algum dia mudar, bem como creditar a um Ente místico todas as
conquistas terrenas, exemplificam bem essa situação.
A ideologia é, pois, um
instrumento de dominação de classe e, como tal, sua origem é a existência da
divisão da sociedade em classes contrárias em luta.
A ideologia é uma ilusão,
necessária a dominação de classe. Por ilusão não devemos entender ficção, fantasia, invenção gratuita e
arbitrária, erro, falsidade, pois com isto suporíamos que
há ideologias falsas ou erradas e outras que seriam verdadeiras e corretas. Por
ilusão devemos entender: abstração e inversão. Inversão ou abstração do real
para uma ilusão diferente, tal como deseja a classe dominante.
A ideologia consiste
precisamente na transformação das idéias da classe dominante em idéias
dominantes para a sociedade como um todo, de modo que a classe que domina no
plano material (econômico, social e político) também domina no plano espiritual
(das idéias).
Isto significa que: 1. Embora
a sociedade esteja dividida em classes, a dominação de uma classe sobre a
outra, faz com que só as idéias da primeira sejam consideradas válidas,
verdadeiras e racionais; 2. Para que isto ocorra, é preciso que os membros da
sociedade não se percebam divididos em classes; 3. Para que todos os membros se
identifiquem com essas características supostamente comuns a todos, é preciso
que a classe dominante faça com que todas as classes acreditem que podem viver
com os mesmos ideais. A difusão desses ideais, dá-se através do domínio do
Estado, que por suas vez, influencia as pessoas através das escolas, dos costumes, das religiões e dos meios de
comunicação disponíveis.
Quando a ideologia é descoberta
pelos dominados, como uma coisa exploradora de seus espíritos e dos seus bens
materiais, não mais parecendo como o único meio de vida em sociedade, temos uma
crise de hegemonia da ideologia
dominante. Daí então, a população começa a criticar os atuais valores e idéias,
podendo aderir a uma nova ideologia, tal como foi o caso da Revolução Francesa,
como citamos. Acreditamos que aqui entra o Estado, com uma forma ‘artificial’
de controle: a violência, o medo. Vemos na televisão que a polícia não consegue
conter os traficantes e as milícias armadas que transitam livremente no Estado
do Rio de Janeiro, para ser mais específico. Contudo, se queremos saber o poder
verdadeiro que a polícia têm, basta organizarmos um protesto popular...
O
trabalho de Althusser, aponta que as formas de utilização dos Aparelhos de Estado, mesmo que em
escalas diferenciadas, seriam repressivas. Pois todas estariam inscritas no
modelo de ‘relações sociais’, e portanto em relações
de poder presentes no trabalho de Foucault.
A
forma econômica, ao meu ver, em exemplos práticos, regularia o nível de consumo
ou nível de alcance do poder aquisitivo, ou mesmo regularia o ‘direito de Ir e
Vir’, segregando espacialmente os indivíduos. Aqui, a repressão se impõe
através da privação de liberdade e igualdade. Lembro-me de quantas pessoas
conheço, que moram no município do Rio de Janeiro e não conhecem o “Rio de
Janeiro” que aparece nos cartões postais. Justamente na Cidade onde moradores
da Barra da Tijuca que quiseram transformar seu bairro em um imenso condomínio
fechado, colocando portões no final da Avenida Ayrton Senna (porta de entrada
para a região)? E o piscinão de Ramos, que foi claramente construído para
afastar da zonal sul os ‘visitantes indesejados’? As lutas que o então
Governador Brizola teve com as elites sociais, simplesmente por criar linhas de
ônibus que ligavam diretamente a Zona Norte às praias da Zona Sul?
É
também o sentido ideológico, que desta perspectiva, novamente é repressiva de
forma a cercear a liberdade, influenciando as massas populares e adequando-as
aos modelos do Indivíduo (elite). O corpo perfeito, a roupa da moda etc. Essa
influência ainda se dá de forma, muitas vezes, involuntária, nas instituições
de ensino básico, onde alguns professores limitam os alunos à abordagens
específicas, ora porque essas abordagens compartilham com seus posicionamentos
ideológicos, ora porque não há tempo hábil para uma visão circunspecta dos
assuntos a serem tratados.
Justamente por dinheiro que se
regula a inserção da população nas castas sociais. O Quanto ela pode pagar pelo
ensino definem sua posição na estrutura social. Em 2005, a ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo
Monteiro, este último, ligado ao IBOPE, produziram mais uma pesquisa que avalia
o Indicador Nacional de Analfabetismo funcional. A divulgação da pesquisa
demonstrou que 38% da população brasileira pode ser considerada analfabeta
funcional, ou seja, não consegue identificar fontes, localizar e relacionar
mais de uma informação, não conseguem realizar a leitura de longos textos, e
muito menos, fiar comparações entre eles. Apenas 25% tem plenas habilidades de
leitura e escrita. Tal pesquisa é ainda mais assustadora quando se trata de
matemática... 77% da população não
dominam as habilidades matemáticas requisitadas em tarefas do cotidiano[5].
A educação como
mercadoria, certamente, é o cerne deste problema, por isso acredito na
importância que ela deve ter neste trabalho.
Bibliografia:
ADORNO, T. Indústria
Cultural e Sociedade. Ed. Paz e Terra: São Paulo, 2006.
ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M. Temas básicos da sociologia. Ed. Cultrix: São Paulo, 1973.
BATISTA, V. M. S. W. O medo na cidade do Rio de janeiro: dois tempos de uma história.
Tese de doutoramento defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, março de 2003.
CHAUÍ.
M. de S. O que é Ideologia. Editora
Brasiliense: São Paulo, 1980.
DELUMEAU, J. História do medo no ocidente: 1300 - 1800.
MORIN, Edigar. La rumeur d’Orléans. Ed. Companhia das Letras: Paris, 1969.
FOUCAULT,
M. Microfísica do Poder. IN: MACHADO.
R. (org. e trad.). Microfísica do Poder. Edições Graal: Rio de Janeiro, 1979.
FOUCAULT, M.
Vigiar e Punir. 23ª edição. Ed.
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HOBSBAWN, E. e RANGER, T. A invenção das Tradições. Paz e Terra: São Paulo, 1997.
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K. e ENGELS. F.Ideologia alemã.
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ZIZEK,
S. “Como Marx inventou o sintoma?” IN: ZIZEK S. (Org.) Um mapa da ideologia. Ed. Contraponto: Rio de Janeiro, 1996.
ZIZEK,
S. “O espectro da ideologia” IN: ZIZEK S. (Org.) Um mapa da ideologia. Ed. Contraponto: Rio de Janeiro, 1996.
ZIZEK,
S. Bem-vindo ao deserto do real. Ed.
Boitempo: São Paulo, 2003.
[1] O desarraigamento da juventude hoje na
cultura do narcisismo. Como sobreviver eticamente numa “cultura mercantilizada,
corrupta e vulgar?
[2]
BATISTA, V. M. S. W. O medo na cidade do
Rio de janeiro: dois tempos de uma história. Tese de doutoramento defendida
no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, março de 2003. p. 224.
[3]
DEUS LHE PAGUE. Chico Buarque.
[4] BATISTA,
V. M. S. W. O medo na cidade do Rio de
janeiro: dois tempos de uma história. Tese de doutoramento defendida no
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
março de 2003. p. 105.
[5]
www.acaoeducativa.org.br/downloads/inaf05.pdf
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