PRÓLOGO
Os Caminhos da (Re) Criação e da (Re) Construção
A
sensibilidade de captar o entorno converte-se em criatividade no momento em que
atividade intelectual mostra-se significativa para a sociedade.
Ao
começarmos nosso longo trabalho de pesquisa com essa frase precisaremos, forçosamente,
apontar uma questão imperiosa, que guiará nossa produção intelectual e a sua
leitura deste texto: Qual a relação entre sensibilidade e a produção de um
trabalho acadêmico que, em tese, deveria primar pela racionalidade?
Diante
deste questionamento, uma reflexão se desdobra no sentido de se fazer entender
como, por meio da linguagem, esse processo criativo se desenvolve. Por que, ao
escrevermos, usamos a terceira pessoa do singular, posto que o processo de
criação essencialmente aflora no interior de um indivíduo? Em outras palavras,
se o nosso processo de (re) criação e (re) construção histórica do passado de
uma instituição liga-se à nossa capacidade sensível individual de captar nos
textos, nas falas e nos anseios das pessoas ligadas a esse tema, o que elas
querem ou precisam ler, porque usamos o ‘nós’ ao invés do ‘eu’ no processo de
produção de uma tese acadêmica que terá a escrita de apenas 1 pessoa?
A
resposta automática do leitor talvez passe pela evidência de que o ‘plural de
modéstia’ é fruto de uma decisão inteiramente pessoal. E isso é verdade dentro
do mais prudente uso do provérbio grego ‘Ó homem, conhece-te a ti mesmo e
conhecerás os deuses e o universo’. Mas esse epíteto, para além de dissimular
um posicionamento privativo, serve mais para ilustrar outro caminho para
explicar essa escolha. Queremos dizer com isso que a nossa preocupação em
manter a sensibilidade diante dos contatos que realizamos diariamente significa
manter um espírito de empatia que nos leva costurar intuitivamente nossa
percepção às normas acadêmicas e às aspirações da comunidade escolar a qual
fazemos parte.
Desta
forma, todo esse processamento envolve
os meios externos e internos com os quais identificamos a construção do ‘nós’.
As influências, os eventos, as conversas, as descobertas, os assombramentos, os
estudos, o trabalho extenuante, entre outras coisas, vindos, seja do ambiente
cultural e/ou seja de um íntimo intelectual, confluem em eventos invulgares em
nossa consciência, de onde saem as ideias. Assim sendo, a primeira pessoa do
singular (eu) não cria ou constrói sem outras pessoas, sendo, portanto, o uso
da primeira pessoa do plural (nós) coerente, e até adequado.
Os
tais eventos invulgares, conforme acreditamos, são momentos de insights em meio a muitos livros,
pesquisas, vozes e imagens. No entanto, esse termo usado pela artista Fayga
Ostrower (1977), ao se referir à criatividade
, não corresponde exatamente ao que pretendemos ilustrar, a menos que, por insight, possamos entender um relampejo
onde sejamos capazes de compreender o
todo do objeto que estudamos. Mas neste caso, consideramos o melhor termo
para definir esse momento seja epifania,
isto é, um momento de súbito entendimento do âmago de alguma coisa. Seja insight ou epifania, em ambos os termos percebemos um instante de
circunspecção em que tangemos a luz da realidade. E as associações de repente vem.
Sem controle e sem ordenação. Resta-nos o esforço de experimentá-las de forma a
ficarmos maravilhados e, na medida do possível, descrevermos como aquela luz
atingiu o nosso pensamento e a nossa escrita.
No tocante à instituição que é nosso objeto, a
relação entre o modelo educacional do tempo presente e o que a comunidade
escolar atual espera dele baseado em memórias de seu tempo de auge, no passado,
tem resultado em um sentimento de descontentamento dos professores, pais e
alunos com os caminhos tomados pelos últimos governos. Em nosso caso, já
estudante da educação brasileira desde os princípios do século XX, associamos
as imagens das normalistas, outrora como formas simbólicas de distinção,
civilidade e moralidade, a uma imagem referencial de um passado que ainda
resiste nas memórias dos que hoje são professores, diretores, membros do corpo
administrativos aposentados. Essa imagem
referencial que, aos poucos, se turva com a falta de registros, com a censura,
com o silenciamento das fontes, não distingue as transformações do tempo e do
espaço, submergindo no esquecimento dos seus significados, tendo efeitos
evidentes na dissolução dos seus signos.
Sendo
assim, conforme tentamos demonstrar, o processo de criação passa pela sensibilidade
de captar o entorno, tornando o produto desse processo algo significativo para
a sociedade. Manteremos durante todo esse processo a empatia com os sujeitos
que estão envolvidos nesse decurso de (re) construção histórica, de onde
continuaremos a buscar os saberes.
A
escolha do termo Estrela não se deu
sem sentido, sentimento, associação ou criatividade. Ponderávamos como ilustrar
uma emoção de descontentamento contemporâneo diante do conhecido passado de
prestígio da formação de professores primários do Rio de Janeiro? A ideia de
começar a reconstruir essa história sobreveio exatamente da forma que
descrevemos acima. De súbito, ao avaliarmos imagens do passado, dos brilhos, das
pompas e circunstâncias das formaturas das professoras normalistas do passado,
diante da atualidade em que um vendedor de anéis de formatura que hoje se senta
em uma carteira escolar no pátio da mais antiga escola de formação de
professores primários que ainda está em funcionamento, esperando que alguma jovem professora se
interesse pelo produto que vende. Retoricamente, podemos então perguntar: qual
a importância de mantermos nossas tradições?
Para
além do evidente desinteresse e desconhecimento para com a tradição das
normalistas, as novíssimas professoras, em um processo histórico de
esquecimento, começam deixar obscurecer o significado da Estrela que carregam no peito. E é dessa história que começaremos o
nosso trabalho a partir do próximo item.
*******Organização dos
capítulos******
Estrela de
Madureira
A Escola Normal
Carmela Dutra:
de referência
Cultural dos subúrbios à crise do Programa Institucional (1954 – 1982)
Pre-textuais
Prólogo
Os Caminhos da (Re) Criação e da (Re) Construção
À Luz da Estrela
Primeira Parte - O Espírito das Leis
Capítulo 1 - Uma alquimia invertida: dos “Anos
Dourados”...
Capítulo 2 - ...aos “Anos de Chumbo” da formação de
professores
Segunda Parte - Os efeitos no corpo
Capítulo 3 - O Impacto no corpo profissional...
Capítulo 4 - ...e o novo perfil dos professores e dos
alunos
Terceira Parte – E as transformações no subúrbio
Capítulo 5 – Sobre o bairro de Madureira
Considerações finais
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
OSTROWER,
Fayga. Criatividade e processos de
criação. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
SOUZA LIMA, Fábio. Estrela de
Madureira - A Escola Normal Carmela Dutra: de referência Cultural dos subúrbios à
crise do Programa Institucional (1954 – 1982). Projeto de doutorado. UFRJ,
2016.
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