Parecer
Técnico – Projeto de Tese
KAPPEL, Marília.
Professores Jornalistas e a criação da
academia mineira de letras. Projeto de Tese, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.
1. Analisar o título.
O trabalho de Marília Kappel (2015) apresenta
um curto e direto título — PROFESSORES JORNALISTAS E A CRIAÇÃO
DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS, apontando exatamente o trabalho que a
autora pretende realizar nos próximos anos do curso de doutoramento em educação
da UFRJ. Entretanto, ao afirmar que o projeto se insere no campo da História da
Educação, acredito ser necessária uma periodização mais precisa no próprio
título; em que ano foi criada a academia mineira de letras?
Kappel não descreve explicitamente
que o evento de criação da academia mineira de letras se deu entre o final do
século XIX e início do século XX na apresentação, embora frise por mais de uma
vez que os eventos relacionados a seus estudos desenvolvem-se entre os séculos
citados. Conforme vimos em ECO (1985), quando na página 71 escreve sobre os
título dos trabalhos acadêmicos, os título é importante pois delimita o objeto
a ser estudado. Assim, por se tratar de uma obra voltada para história, escrita
em ambiente acadêmico, reitero a necessidade de apontamento de uma data ainda
no título.
Evidentemente sabemos
que este é um trabalho que encontra-se ainda em fase de discussão, mas visando
uma melhor organização do pensamento do leitor, que espera se sintonizar com o
tempo em que a história é contada e um maior esclarecimento para o leitor
leigo, que no Rio de Janeiro, pode não se interessar por essa temática (ECO,
1985).
2. Identificar o tema, o problema,
questões e objetivos do estudo, verificando clareza.
Embora Kappel aponte
no título o interesse em estudar fundação da academia mineira, no decorrer de
sua apresentação, parece dar grande importância aos intelectuais que a
fundaram. Sem dúvidas, a autora descreve o caminho que fez até chegar até esses
intelectuais, mas parece dar pouca ênfase no feito que está sendo estudado em
seu trabalho e que foi realizado por eles.
Um grande
feito desse grupo, no período analisado, foi a fundação de uma importante
instituição: a Academia Mineira de Letras[1]
(AML) e devido à quantidade de informações acerca de Estevam de Oliveira e o
pouco tempo para realização de uma
pesquisa que abordasse toda sua rede de sociabilidade, o estudo realizado
durante o mestrado não permitiu realizar tamanha análise (KAPPEL, 2015, p. 6).
Desta forma, acredito
que seja fácil para um leitor leigo quanto eventos peculiares ao estado de
Minas Gerais se confundir entre a ideia de análise da criação de sua academia
de letras e o estudo da trajetória dos intelectuais que a fundaram. Um exemplo
disso é a citação dos nomes dos intelectuais no final da apresentação. Em nossa
leitura, pareceu que o melhor, o nome dos intelectuais importantes nas Minas
Gerais do final do século XIX e início do século XX, ficou para o final do item
de apresentação.
Outra evidência que
encontramos disso foi o objetivo geral, descrito desta forma:
O
objetivo geral deste anteprojeto de pesquisa é identificar, descrever,
reconstruir e analisar a rede social dos intelectuais fundadores da Academia
Mineira de Letras envolvidos com a imprensa e a educação na cidade de Juiz de
Fora, MG, em finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX,
observando seus possíveis projetos educacionais que não se prendiam apenas à
fundação da AML (KAPPEL,
2015, p. 7).
Além disso, esse, que
considero um problema que pode desfocar o trabalho de Kappel (2015),
(...)
pesquisa envolveria: uma problematização da realidade, contextualização da
problemática na discussão acadêmica sobre o tema focalizado, investigação
rigorosa, produção de novos conhecimentos (LÜDKE apud CANEN & ANDRADE,
2005: p.52)
Diante do que
estudamos, o tema, o problema, as questões e objetivos do estudo, devem ser
encontrados no resumo e/ou logo na introdução dos textos acadêmicos, sejam
artigos, dissertações ou teses (CANEN, 2003 & ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). E Lage (2015) coloca as suas
questões motivadoras na primeira página.
Considerando esses aspectos indagamos: Como
acontece o ingresso desses professores surdos? Que(ais) cenário(s)
encontraram? Como entendem e
descrevem a institucionalização da Libras no INES? Quais
são as suas expectativas? Como organizam e avaliam a sua prática no início
desta carreira no INES? De que forma a diversidade desses docentes foi
recebida? Que desafios éticos aparecerão nesse novo contexto? Haverá algum
desdobramento desse acontecimento na educação inclusiva oferecida nas escolas
regulares?Será que os
estudantes terão melhor desempenho acadêmico? Será que o rendimento educacional
dos estudantes surdos será comparável ao rendimento presente na relação entre
professores ouvintes-estudantes ouvintes? Até que ponto a instrução oferecida
na L1 (Libras) facilitará a aquisição de conhecimentos expressos em L2 (Língua
Portuguesa)? (LAGE, 2015, p. 1).
Por
outro lado, ao iniciar o tópico de “problema e objetivos de estudo”, a autora
inicia com a seguinte frase: “Nesta proposta de tese pretendemos investigar o
ingresso dos professores surdos (...)” (2015, p. 1) Aline Lage aponta com os
termos “pretendemos investigar” e logo depois “descrever a analisar” para
designar os objetivos principais. Além desses verbos, para os objetivos
específicos, a autora também descreve:
O objetivo geral
deste projeto de tese é descrever e analisar o ingresso dos professores surdos
de Libras no quadro efetivo de servidores públicos do INES avaliando possíveis
impactos na educação de surdos no Brasil.
Os
objetivos específicos são:
● Conhecer a introdução da Libras nos
currículos dos segmentos educacionais formais e não formais oferecidos pelo
INES;
● Investigar a memória dos encaminhamentos
administrativos realizados entre a introdução da Libras nos currículos de
formação oferecidos pelo INES e o ingresso dos professores surdos no quadro
efetivo de servidores;
● Descrever a narrativa dos professores
surdos de Libras do INES no qual os mesmos analisem o seu ingresso no quadro de
servidores efetivos para compreender os prováveis impactos na comunidade
escolar e sobre a aprendizagem dos estudantes;
● Analisar a narrativa de estudantes do
INES para compreender os prováveis impactos que o ingresso dos professores
causaram na comunidade escolar e sobre sua aprendizagem;
● Construir uma análise comparativa entre
as narrativas obtidas no INES com os resultados de pesquisas voltadas para a
atuação de professores surdos (LAGE, 2015, p. 2).
Neste
caso, apesar de bem colocados os objetivos, acreditamos que os verbos Descrever, Conhecer e Descrever poderiam,
pelo conteúdo que identificamos no projeto, ser mudados para os verbos usados
na Quarta, Quinta e Sexta colunas do trabalho de Santos (2000).

Isso porque, apesar
da formação em psicologia de Celeste Kelman, orientadora do estudo, Aline Lage
(2015), que também é psicóloga, aponta em seu projeto a intenção de desenvolver
um viés histórico em seu trabalho, conforme podemos ver nos trechos abaixo:
Do
ponto de vista histórico é importante realizar a pesquisa porque pretendemos
analisar este acontecimento a partir do olhar dos sujeitos envolvidos. (...) Em
termos educacionais, este momento representa uma conquista relevante
nos debates acerca dos modelos de educação especial (LAGE, 2015, p. 2).
3. Identificar a justificativa e analisar
se contempla os critérios de qualidade discutidos em aula.
Em concordância com o
que apontamos no tópico anterior, Lage (2015) descreve a importância histórica
de seu projeto de estudo, bem como também descreve como justificativa a
importância para a academia de um estudo sobre os primeiros professores surdos
do INES. Além dessas duas justificativas, Lage também desenvolve um terceira
justificativa, muito interessante: a importância de seu estudo para a
comunidade surda, focando na construção de sua identidade .
4. Identificar o referencial teórico e
categorias
Tal como aponta Canen
(2008),
Trata-se, pois,
esta primeira dimensão – a compreensão da pluralidade de sujeitos e de suas
visões de mundo no ato de ensinar e pesquisar – uma primeira aproximação para se
relativizar verdades e dogmas, na forma~]ao de professores, bem como de se
questionar argumentos de autoridade, muitas vezes presentes em textos e
materiais com que trabalhamos no contexto desta formação (CANEN, 2008: p. 301)
Quanto ao referencial
teórico, portanto, Lage (2015), submetida a linha de pesquisa Inclusão, Ética & Interculturalidade
do curso de doutorado em educação da UFRJ, apresenta uma abordagem multicultural, tendo como principal
referência Kelman (2012).
Defendendo
uma abordagem multicultural, Kelman (2012) afirma que na educação, entre elas a
prática escolar, é necessária a construção de espaços democráticos que ofereçam
oportunidades iguais, atendendo às diferenças dos alunos; adequar a escola para
todos os alunos. No âmbito da educação de surdos, precisamos eliminar o viés
patologizador e incapacitante. As escolas precisam se adaptar aos alunos surdos
e seus diferentes perfis culturais. Os sistemas públicos educacionais devem
assumir o compromisso de se tornarem mais eficazes oferecendo a Libras desde a
educação infantil, introduzindo aos poucos o ensino da Língua Portuguesa. Os
sistemas de ensino devem orientar as escolas à construção de um projeto
político e pedagógico que reflita as realidades do entorno, o que
possibilitaria atender ao perfil cultural dos alunos. Caso assim fosse, o
currículo poderia ser desenhado para refletir essas diversidades culturais
(LAGE, 2015, p. 10).
Quanto as categorias,
não conseguimos localizar no projeto de Aline Lage (2015) as indicações de
quais caminhos a autora irá tomar para desenvolver o seu projeto, embora
apareça por diversas vezes a indicação do estudo de memória. Acreditamos,
contudo, que isso se dê por conta do projeto ainda estar em faze de discussão e
desenvolvimento, o que está de acordo com o cronograma da autora, da
orientadora e também da professora Drª Maria Vitória Maia, onde Lage organiza
suas ideias na realização de um seminário de tese.
5. Identificar a metodologia (tipo de
estudo, campo empírico, sujeitos, técnicas de coleta de dados), verificando se
há triangulação e se há clareza e coerência com o problema.
Já a metodologia de
Lage (2015) encontra-se mais desenvolvida do que os demais itens de sua
pesquisa. Nos itens 5, 5.1, 5.2, 5.3, 5.4, 5.5, 5.6, 6 e 7 a autora descreve seus
procedimentos técnicos para a abordagem de seu objeto de estudo.
Assim sendo, estão
previstos os seguintes procedimentos:
● Para conhecer a introdução da Libras nos
currículos dos segmentos educacionais formais e não formais oferecidos pelo
INES, realização de pesquisa documental e entrevista com os sujeitos da
pesquisa;
● Para investigar a memória dos
encaminhamentos administrativos realizados entre a introdução da Libras nos
currículos de formação oferecidos pelo INES e o ingresso dos professores de
Libras no quadro de servidores do mesmo será efetuada pesquisa documental;
● Para ter acesso à narrativa dos
professores (ativos e aposentados) surdos do INES no qual os mesmos analisem o
seu ingresso (cenário que encontraram; a institucionalização da Libras; a
organização de seu trabalho docente e seus impactos sobre a aprendizagem dos
estudantes) serão realizadas entrevistas com roteiro semiestruturado;
● Para coletar a narrativa de estudantes do
INES será utilizado o grupo focal;
● Para comparar os dados construídos no
INES com os resultados de pesquisas voltadas para a atuação de professores
surdos na educação de surdos será realizada pesquisa bibliográfica (LAGE,
2015, p. 13 - 14).
Entretanto,
um pouco antes, a autora apresenta a intenção de realizar a triangulação de
informações com a análise documental. Além dessa informação, em trechos como “Como a Libras é
uma língua gesto-visual será necessária filmagem das entrevistas e
participação de um integrante que tenha fluência na língua” (p. 15), “Os
procedimentos que envolverão sujeitos na pesquisa são a entrevista semiestruturada
e o grupo focal” (p.16) e
A
pesquisa prevê como recursos infraestruturais: 01 (uma) filmadora; 01 (um)
dispositivo para armazenamento seguro das imagens; apoio de 01 (um)
profissional de tradução Libras/Português; apoio para edição de material
fílmico (LAGE, 2015 p. 16).
a autora parece
desenvolver a metodologia de História Oral ou ao menos algumas de suas bases
para entrevistas. Entretanto, Lage (2015) ainda não cita tal metodologia para o
projeto, o que novamente parece ser efeito de que seu projeto ainda esta em
desenvolvimento. Mesmo assim, devido a identificação que fizemos do possível
uso de História oral como metodologia
e memória como categoria, acreditamos
ser interessante o uso de verbos das três últimas colunas (Análise, Síntese e
Avaliação) criadas por Santos (2000). Assim, a partir deste ponto, segue as
sugestões de leitura em anexo (Anexo I).
6.
Apreciação geral.
A
escrita de Lage (2015) é acadêmica sendo usado a primeira pessoa do plural, o
que demonstra a participação de sua orientadora no processo de construção de
seu trabalho. Este modelo está de acordo
com o que ECO (1985) aponta ser uma preocupação de escritor: escrever com
clareza, pensando em para quem estamos nos dirigindo. Acreditamos apenas que no
tópico de apresentação, Aline Lage poderá para uma próxima oportunidade
desenvolver o porquê de seu projeto estar organizado daquela forma, posto que
em sua apresentação consta apenas que “Este projeto está em fase de
reelaboração apresenta por isso uma estrutura diferente, buscando adequação à
Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde” (p. 1).
Bibliografia:
ALVES, Rubem. Conversas com quem
gosta de ensinar. Papirus Editora, 2004.
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith & GEWANDSZNAJDER,
Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: Pesquisa quantitativa e
qualitativa. São Paulo, Editora Pioneira, 1998.
CANEN, A. Metodologia
da pesquisa: abordagem quantitativa, Coleção Veredas, módulo 4, V. 1, p.
215-240. Belo Horizonte, Secretaria de Estado da Educação Minas Gerais, 2003.
CANEN,
A. A pesquisa
multicultural como eixo na formação docente: potenciais para a discussão da
diversidade e das diferenças. Aval. pol.
públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 59, p. 297-308, abr./jun. 2008.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese.
S.P.: Perspectiva, 1985.
SANTOS, A. R. Metodologia científica: a construção do
conhecimento. 3ª Ed. Rio de Janeiro: D&A, 2000.
Anexo I
Sugestões de leitura para História Oral:
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
BURKE, Peter. “Abertura: a Nova História, seu passado e seu
futuro”. IN: BURKE, Peter (Org.) A
escrita da História - Novas Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 07-37
DELGADO,
Lucília de Almeida Neves. História Oral: Memória,
Tempo, Identidades. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2010.
LE GOFF, Jaques. História e História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
Sugestão de leitura para fonte
documental:
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. “A legislação
escolar como fonte para a História da Educação: uma tentativa de
interpretação”. IN: FARIA FILHO, Luciano Mendes de. (Org.). Educação,
modernidade e civilização: fontes e perspectivas de análises para a
história da educação oitocentista. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1998, pp.
89-125.
Sugestões de leitura para Memória:
ARIES,
Philippe. “Para uma história da vida privada”. In: ARIES, Philippe, CHARTIER, Roger (Org.) História da vida privada: Da
Renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. v.3,
p.7-20. (ed. ital. 1988).
LE GOFF, Jaques. História e Memória. 4ª Edição. Campinas: Ed. Unicamp, 1996.
MOTTA,
Márcia Maria Menendes. “História e Memórias”. IN: MATTOS, Marcelo Badaró
(Org.). História: pensar e fazer.
Niterói: Laboratório Dimensões da História, 1998. p. 74-89.
HALBWACHS, Maurice. A
memória coletiva. São Paulo: Centauro Editora, 2003.
JOUTARD,
Philippe. “Desafios à História Oral do Século XXI”. IN: FERREIRA,
Marieta ; FERNANDES, Tânia ; ALBERTI, Verena. (Orgs.). História Oral: desafios do século XXI.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/ Casa de Oswaldo Cruz /CPDOC – FGV, 2000. p. 31
– 45.
NORA, Pierre. “Entre Memória e
História: a problemática dos lugares”. IN: Projeto
História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 07-28, dez. 1993.
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