RELATO DE
PESQUISA:
UFRJ/ PPGE
Resumo
Nosso
estudo, inserido no campo da história das instituições educacionais, tem por
objetivo recuperar a história da Escola Normal Carmela Dutra, situada no bairro
de Madureira, Rio de Janeiro, em seus anos iniciais. Assim, definimos nosso
recorte cronológico com o início da data de sua criação, através do Decreto
8.546 de 22 de junho de1946, e levamos nossos estudos até entender os motivos
pelos quais o Decreto 12.171, de 31 de julho de 1953, em seu caput, aponta que
a sua subordinação ao Instituto de Educação “por motivos administrativos, não
mais se justifica”. No caso específico desse trabalho, tomaremos como
categorias de análise: instituições escolares (Nóvoa, 1995), cultura escolar
(Julià, 2001) e gênero (Scott, 1992), a dialogar com nossas fontes documentais
que tem ênfase na legislação escolar (Faria Filho, 1998), fotografias, que
serão analisadas do ponto de vista teórico sugerido por Mauad (1996) e as
entrevistas, cuja perspectiva metodológica seguirá no âmbito da história oral
(Alberti, 2005 & Alberti; Fernandes; Ferreira, 2000).
Palavras-chave: História da Educação, Formação
de Professores, Ensino Normal, Escola Normal Carmela Dutra.
Tal como recomenda Marrou
(1954), o historiador não pode contentar-se com uma visão fragmentária e
superficial, ele deve procurar um saber mais longo, que vá além daquele do
período ou do fato estudado; ou inserido num contexto mais amplo, conforme Le
Goff (2005); (MIGUEL, 2007, p. 34).
Ingressamos no
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
com o projeto de estudar as relações entre o neoliberalismo presente no projeto
do atual Governo e a introdução de novas disciplinas no curso normal de caráter
puramente prático, com relativo valor crítico. Contudo, nos deparamos com uma
realidade que não esperávamos encontrar: não há qualquer registro de trabalhos
de história da educação escritos sobre a primeira Escola Normal que surgiu aos
moldes do curso de normalistas existente no Instituto de Educação, atual
Instituto Superior de Educação do Rio de janeiro – ISERJ.
Nossa pesquisa
realizada na base de dados do Domínio Público, CAPES, ou mesmo na base de dados
do SCIELO, retornaram em resultados zerados quando usamos como chave de entrada
os termos “Escola Normal Carmela Dutra”, alguns poucos resultados que não
tratavam da ENCD quando escrevemos “Normalistas Madureira”, “Escola Normal
Madureira”, e ainda outros poucos resultados relacionados a Maternidade Carmela
Dutra quando escrevemos somente “Carmela Dutra”. Apesar disso, variados artigos
e outras produções acadêmicas sobre o Instituto de Educação apresentam referências
sobre a criação da Escola Normal Carmela Dutra – ENCD.
Todos os
trabalhos que verificamos citarem a Escola Carmela Dutra, apresentam
imprecisões nas datas referentes à criação da Escola, que não é 1949 (tal data
refere-se a criação da escola homônima em Porto Velho, Estado de Rondônia em 6
de agosto de 1949), mas sim 22 de junho de 1946. Além disso, nenhum deles
desenvolve as histórias dos porquês de sua criação, nem em qual contexto
histórico a Escola se cultivou, ou ainda, quais foram as relações de poder que
envolveram a expansão dessa modalidade de ensino no Rio de Janeiro enquanto
Distrito Federal. Muito menos, houve qualquer produção sobre os primeiros
docentes da Escola ou qualquer estudo sobre o perfil dos seus primeiros alunos,
e como se formou um ethos próprio a
partir da perspectiva de desvinculação do Instituto.
Consideramos
essa ausência de estudos sobre o tema um lapso na história da educação e na
história da formação de professores normalistas do Rio de Janeiro e sobre a
expansão do ensino nos aos quarenta. Daí então, decidimos empreender nossas
primeiras pesquisas sobre essa Escola, que desde 29 de dezembro de 2004, pelo
Decreto nº 36.820, foi elevada ao status de Instituto de Educação Carmela Dutra
– IECD, mesmo que já tendo iniciado os nossos estudos sobre o neoliberalismo e
a implantação de verdadeiros kits de sobrevivência (LIBÂNEO, 2011) travestidos
de Currículos Mínimos.
Mas antes mesmo de começarmos a
pesquisa, procuramos entender quem era a normalista e como ela era vista no
início do século XX. A figura da normalista seria mesmo a responsável por levar
a população um novo projeto de nação? Aquela que encerraria em si mesma toda a
racionalização da sociedade urbanizada, moderna e ‘higienizada’, tornando-se um
exemplo para as famílias até dos rincões mais afastados do Rio de Janeiro?
Aquela que é bem formada pelas políticas públicas, propulsora das novas
tradições de uma República incipiente e que quer mudar o seu eixo
econômico-social do rural para o urbano?
A Normalista, um livro de Adolfo Caminha, publicado
originalmente em 1893, em sua terceira edição, a de 1950, resume a imagem deste
personagem para um Brasil que ainda vivia no campo. Trata-se de uma bela jovem
que leva ao meio rural as organizadas pautas de seu caderno, as milimétricas
medidas de sua régua e a higiene de seu sorriso para uma nova sociedade a ser
construída.

Figura 1 - Capa do livro
A Normalista, de Adolfo Caminha. Editora Jornal dos Livros, 1950, 3ª edição.
Prefácio de Raimundo de Menezes.
Por excelência,
essa é a normalista do ‘Carmela Dutra’ do período que estudamos (1946 – 1953),
cuja formação em Madureira, Zona suburbana remota, visava atender a Zona Rural
do Rio de Janeiro, como apontou o Diário Oficial da União no ano de 1947.
Considerando que a "Escola Normal
“Carmela Dutra" tem preferência da pelo Decreto-lei n.10 8.548, de 22 da
junho de 1946, surgiu com a finalidade precípua de atender ao evolutivo número
da população, e consequente amplitude do quadro de professores primários;
(...)
Considerando que o novo estabelecimento
educativo beneficiará, principalmente, os estudantes que habitam a zona rural,
os quais, por esse motivo, não mais terão necessidade de se locomoverem daquela
para a zona urbana, porque já contam com mais um educandário no gênero; (ANEXO
I; DOU, 12 de abril de 1947, p. 2199, boletim nº 74)
Tendo como base essas primeiras
reflexões sobre o nosso tema, engendramos a construção de três hipóteses a
serem desenvolvidas em nosso trabalho. A primeira versa sobre a abertura de uma
escola em Madureira, próxima ao “sertão carioca” (CORRÊA, 1936). Seria essa uma
demonstração de que o Governo Federal tinha interesse em ampliar a rede de
ensino de formação de professores primários para atender a crescente população
urbana? Qual era a real necessidade dessa expansão?
Relacionada a essa primeira colocação,
nós nos perguntamos também em nossa segunda hipótese se a denominação do novo
educandário como Escola Normal Carmela Dutra, para além da homenagem à esposa
do então Presidente Eurico Gaspar Dutra, teria sido feita por outro motivo: a
escolha do nome da esposa do presidente, uma personalidade reconhecidamente
católica nos meios políticos e sociais, sendo feita mesmo antes dela vir a
falecer, foi uma solução de resistência aos ataques de grupos sociais que
tinham interesses em manter o status
do Instituto de Educação, ou de deter a expansão das tradições republicanas que
fatalmente atingiriam um público muito maior com o ensino primário a ser
dispensado às classes mais empobrecidas.
E ainda, em nossa terceira hipótese, discutimos
quais os fatores teriam contribuído para a autonomia administrativa da ENCD a
partir do Decreto-lei Nº 12.171 de 31 de julho de 1953. Tal evento, que separou
o Escola Normal Carmela Dutra e o Instituto de Educação, tornou o ENCD
subordinado diretamente à Secretaria Geral de Educação e Cultura, alegando que
a subordinação administrativa ao Instituto não mais se justificava. Com base
neste documento, nos questionamos se esse evento representou na década de 50 a
diminuição do prestígio e do poder de influência do Instituto de Educação.
Procurar por
essas informações não foi fácil. Em um primeiro momento a pesquisa na internet
acusou um conteúdo intrincado, sem bons resultados. Os poucos sites que se
apresentavam não retornavam muitas referências e a maioria redundava em
informações recentes e sem rigor científico. No entanto, continuamos
verificando mesmo as menores pistas até que conseguimos encontrar o fio de
novelo da Escola Normal Carmela Dutra. A partir daí, uma exaustiva pesquisa por
legislação no site www.jusbrasil.com.br apresentou uma série de documentos históricos sobre
o tema requerido.
Entre os muitos
Diários Oficiais da União, encontramos os documentos de criação e outros como:
os primeiros concursos para alunos; a convocação e a falta de professores desde
o início; a chamada de docentes aposentados da antiga Escola Normal
(Incorporada ao Instituto em 1932) para compor o quadro de professores da ENCD;
a construção de seu corpo administrativo; a falta de um prédio adequado e a
adaptação ao espaço de um ginasial comum; o curioso edital que franqueava o
ingresso ao curso normal apenas aqueles que tivessem de acordo com os aspectos
higienistas do início do século; o fracassado primeiro concurso onde nenhum dos
candidatos foi aprovado; a repercussão da morte da patrona da escola (1947); o
Decreto de 1948 que regulamenta o ensino normal no Distrito Federal; dando exclusividade
ao IE e ao ENCD; a admissão dos primeiros formandos como professores da rede
municipal de ensino; a compra e o início da construção de prédio escolar que
deveria servir a Escola, mas nunca foi usado e o Decreto que prevê
independência administrativa ENCD em relação com o Instituto de Educação, entre
muitos outros.
Dia após dia
analisando, organizando, destacando o mais interessante para nossa pesquisa em
mais de 500 laudas de Diários Oficiais da União que conseguimos juntar,
finalmente encontramos a informações que julgamos necessárias para
considerarmos válidos os nossos intentos de estudo acadêmico.
Em um segundo
momento, apostamos em encontrar mais informações na própria unidade escolar
pesquisada. Imaginamos começar a encontrar respostas para as nossas hipóteses
por lá, mas as más condições de arquivamento dos seus próprios documentos no
IECD nos deixaram com uma série de lacunas a preencher. De fato, tal
empreendimento aumentou ainda mais as nossas dúvidas, o que verdadeiramente se
provou mais construtivo para nossa tarefa de historiador.
O nosso ingresso
no modelo de Escola Normal construído em Madureira foi facilitado pelo fato de
atualmente trabalharmos como docente do IECD desde 2010, quando ingressamos
como professor de filosofia da unidade. Com o aval e orientação da direção e
coordenação pedagógica da escola, fomos instruídos a verificar o que os colegas
chamaram de ‘coisas antigas do Carmela Dutra’. Eram algumas pastas com fotos
soltas, a maioria sem datas ou referências de turmas ou mesmo sem a época da
gestão escolar. Havia muitas imagens de alunas cujo período não conseguimos
reconhecer num primeiro momento, uma foto com referências a um professor que,
mais tarde, descobrimos que também foi aluno da escola, outras sobre as
inspeções-surpresa do então Prefeito Mendes de Morais ao Mercado Municipal de
Madureira e mais algumas das alunas do ENCD em visita ao Presidente Dutra, além
de outras autoridades que identificamos mais tarde com as nossas pesquisas.
Todo esse material estava acondicionado no mesmo armário em que estavam
documentos recentes, projetores, plantas antigas do prédio, extensões, tomadas
e benjamins de energia elétrica, tinta para canetas de quadro branco, entre
muitos outros insumos pertinentes ao dia-a-dia escolar.
Buscamos o
arquivo de alunos na secretaria, onde apenas encontramos os referenciais do
período histórico que definimos. Fomos então encaminhados ao Arquivo Permanente
do IECD. Esta sala, contudo, sem iluminação apropriada para os corredores,
apresentava centenas de caixas de papelão empilhadas em armários de aço, cujos
números identificávamos com a ajuda de um cabo de vassoura com uma lâmpada
desajeitada que ficava em sua ponta, ligada a energia elétrica por um longo
fio. Encontramos, enfim, os documentos de inscrição dos primeiros alunos e
aproveitamos a luz natural da porta aberta do arquivo para fotografar todas as
principais informações sobre cada ex-aluno. Continuamos a buscar o que mais
havia de interessante no Arquivo Permanente e num de seus cantos, em meio a um
imenso número de documentos que estavam amontoados pelo chão e em uma estante
baixa, encontramos diplomas não retirados pelas alunas dos anos 50, inclusive
sendo sete de alunos do corte histórico-temporal que definimos.
O Arquivo
Permanente funciona no andar térreo, próximo a lanchonete ‘Carmelícia’, no
pátio da Escola. Embora seu acesso seja dificultado às pessoas devido a dois
grandes portões de ferro que lá estão, a sala não oferece a mesma segurança aos
seus arquivos, pois pelo alto, o vão aberto de um ar-condicionado ausente,
deixa livre uma grande entrada para animais indesejados no local,
frequentemente encontrados, segundo alguns funcionários.

Figura 2 - Arquivo Permanente do Instituto de Educação Carmela
Dutra
Contudo, como
apontamos, encontramos por lá as fichas dos 30 primeiros alunos da Escola em
razoáveis condições. Vinte e oito moças e apenas dois rapazes, cujas histórias
exploraremos mais adiante em nosso trabalho de dissertação. De posse desses
documentos, pudemos realizar a nossa primeira análise sobre o perfil do alunado
na década de 40, para saber onde esses alunos moravam, de que escola eles
vieram, em que trabalhavam seus pais, com que idade eles se inscreveram no
Curso Normal e até a religião que professavam no momento de entrada da Escola.
Produzimos com esses documentos uma interessante avaliação sociocultural dos
primeiros discentes.
Podíamos agora
tentar achar os jovens normalistas de Madureira, que sem nenhum exagero,
conforme levantamos, podem ser chamados também de desbravadores. Procuramos
pelo site de telefonia da OI – Lista Online[3] cientes de que muitas alunas poderiam ter mudado os
nomes por conta de seus casamentos. Mesmo assim, conseguimos contato com dois
alunos, Dirce Montorfano Freire e Duílio Ramiro Alves, que como dois jovens
octogenários, prontamente se propuseram a nos dar entrevistas sobre as suas
memórias escolares. Mas, mesmo antes de partir para as nossas entrevistas,
faltava verificarmos se a escola tinha os diários, os boletins desses alunos, e
mais ainda, quais informações sobre os seus professores da década de 40 e 50
restavam por lá.
No Departamento
Pessoal, no entanto, nada havia de informações sobre professores nas décadas
citadas. Orientado pelos funcionários, encontramos dois velhos armários de
madeira no fundo do espaçoso auditório da unidade, onde deveriam estar os de
boletins de notas dos ex-alunos e as fichas dos professores da época.
Procuramos ainda pelos diários escolares, mas segundo os funcionários, eles não
mais existem há muito tempo. Nos armários que ainda estavam por lá,
amontoavam-se muitas pastas plásticas deterioradas, abertas e com os documentos
caídos, misturando-se em anos e décadas diferentes. As informações sobre os
primeiros docentes acabaram por se revelar a nós a partir dos Diários Oficiais,
das entrevistas que fizemos com os ex-alunos da Escola e do cruzamento de dados
com o corpo docente do Instituto de Educação. Tais dados foram fartamente
encontrados no CEMI – Centro de Memória Institucional do ISERJ, onde também
encontramos informações sobre as disciplinas cursadas e população de alunos no
curso equivalente desta instituição ao do ENCD.

Nos armários, apenas
três livros de registros sobre o período que estudamos foram encontrados, um
deles repleto de traças e cupins, e com notas já ilegíveis. Conseguimos,
entretanto, a partir deles levantar o currículo da primeira turma, sem, porém,
conseguir através desse meio os nomes dos professores. Como já apontamos, nenhuma
pasta com a ficha dos docentes da década de 40 foi encontrada.
De posse dos
contatos de alguns alunos da primeira turma do ENCD, partimos para as
entrevistas, feitas nas suas casas, normalmente com a presença de parentes ou
outras pessoas mais próximas à família. São até o presente momento cinco ex-alunos
entrevistados, além de uma entrevista especial com a professora Zilá Simas
Enéas, aluna do Instituto de Educação à época em que ENCD foi criado. Tais
entrevistas, como abordaremos em capítulo específico, fizeram parte central do
nosso esforço para levantar as histórias e as memórias da Escola Normal Carmela
Dutra.
Não obstante,
nossas entrevistas foram entremeadas à continuidade da procura por mais fontes. Em nossa pesquisa no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e no
CPDOC, onde encontramos imagens e cartas trocadas entre a Dn. Carmela Dutra,
então esposa do Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e o Ministro da Saúde e
Educação Gustavo Capanema. O conteúdo destes estudos foi de grande valia para o
início da reconstrução da personagem também conhecida como Dona Santinha.
Contudo, evidentemente, uma larga pesquisa aos jornais de época, notadamente o
Jornal do Brasil e o Diário de Notícias, realizada na Biblioteca Nacional, nos
forneceram ainda mais conteúdo sobre esse inescapável assunto: Dona Santinha e
a sua influência na educação brasileira.
Ainda na
Biblioteca Nacional, conseguimos consultar a obra de referência sobre então
interior do Rio de Janeiro do livro no início do século XX. O Sertão Carioca, de Armando Magalhães
Corrêa, publicado originalmente em jornais como um conjunto de análises sobre o
as áreas afastadas do centro da capital do país e depois, em 1936, como livro,
nos ofereceu a oportunidade de entender a memória, o espaço e a cultura dos moradores da região em que mais
se relacionava o trabalho dos professores e alunos do ENCD.
Embora tenhamos em muitos
momentos que revisitar nossas fontes, iniciamos a feitura de nossa dissertação
enquanto ainda realizávamos todas essas visitas de pesquisa. Neste constante
exercício de revisitar as fontes, cuidamos para que todo nosso conteúdo pudesse
estar contido em quatro capítulos, além desta introdução.
No primeiro capítulo, intitulado Antes de criação — Delimitações teórico-metodológicos, desenvolvemos a exposição e a
discussão sobre os referenciais teóricos e metodológicos que escolhemos para
tratar do tema que escolhemos. Nosso esforço exigiu o uso de mais de uma
categoria para que pudéssemos efetivar as conexões existentes entre o período
histórico, o Ensino Normal e as memórias dos nossos entrevistados. Assim, o uso
das categorias de Instituições Escolares, Cultura Escolar e Gênero, além do uso
de métodos destinados a análise de legislação, fotografias e memória, são parte
de nosso estudo neste capítulo.
No segundo capítulo, sob o título
de A Escola Normal Carmela Dutra, levantaremos o contexto político e
socioeconômico das décadas de 40 e 50, base para entendermos a implantação da
Escola. Continuaremos pela história das autoridades envolvidas na sua criação,
como a do então presidente Eurico Gaspar Dutra e sua esposa Dnª Carmela Dutra.
Procedermos então nos estudos sobre a criação da Escola, o porquê da escolha de
Madureira como local, os conflitos de interesses envolvendo o Instituto de
Educação, as rivalidades de envolvendo as duas escolas de formação de
professores primários do Rio de Janeiro.
No terceiro, trataremos da
fundação da escola, das histórias e memórias dos alunos das primeiras turmas.
Dos eventos que marcaram a criação da escola, de como foi a escolha de seu
prédio, de como era o seu mobiliário e como era o entorno da nova Escola Normal
dos Subúrbios, nome pelo qual a ENCD ficou conhecida nos jornais. Abordaremos
como o logotipo da escola foi criado, a disputa entre o IE e o ENCD pela
exclusividade do uniforme e as demais discussões que envolveram a expansão do
ensino que até então era destinado a elite carioca.
Já no capítulo quatro, como o
título Desgrudando da barra da sai da mãe,
nos apoiaremos um pouco mais sobre a biografia da Dnª Carmela Dutra para a
construção da identidade dos alunos do ENCD. Desenvolveremos também uma análise
de como se constituiu o corpo discente da escola e como os alunos construíram
uma cultura própria. E então abordaremos as motivações que levaram o ENCD a se
tornar uma escola independente do Instituto de Educação, quando então poderemos
nos encaminhar para as considerações finais.
Evidentemente encontramos na
pesquisa sobre o ENCD uma grande oportunidade de desenvolvimento intelectual acadêmico. Porém, durante esse processo de descobertas,
pudemos verificar a importância de nosso estudo para os ex-alunos e
ex-professores, bem como de toda a comunidade escolar do IECD atuante hoje,
início do século XXI. Quando informamos de nossas intenções de pesquisa, fomos,
em todas as ocasiões, bem recebidos e orientados. Os colegas de profissão
também se surpreendiam ao ouvir que nada havia sido escrito na academia sobre a
Escola. Surpreenderam-se mais ainda com alguns relatos que pudemos fazer entre
um trabalho e outro, sobre a importância do IECD no passado e a sua
responsabilidade no padrão de qualidade da formação de professores normalistas.
Desde o princípio, a única cobrança que nos fizeram foi de que teríamos que
retornar ao IECD com o trabalho pronto, para que pudesse constar na Escola como
uma referência histórica do tempo de sua fundação.
Além disso, os
ex-alunos entrevistados ficaram tão animados em saber que as suas memórias
seriam registradas e que poderiam ficar disponíveis as próximas gerações de
normalistas que telefonaram uns para os outros, abrindo os nossos caminhos e
reforçando nossos conteúdos e argumentos. O professor Duílio Ramiro Alves,
aluno da primeira turma iniciada em 1947, depois de uma longa entrevista, nos
brindou ainda com a seguinte resposta quando perguntado sobre o que mais ele
gostaria de deixar registrado:
— Eu queria que o seu
trabalho continuasse, que ele fosse acompanhado, que ele pudesse ser respeitado
pelas opiniões que você vai emitir aí, que alguém possa crescer com essas
informações que você está levando, que podem não ser as verdadeiras, mas são as
minhas informações. Eu posso não ser o dono da verdade, mas eu quero dizer o
que eu penso, o que eu acho. Então eu só desejo mesmo que tudo que você
escreveu aí, tudo que você vai escrever, possa servir de melhora na educação,
seja ela qual for, secundária, universitária, primária. Qualquer tipo de
educação. E aí, são os princípios da educação que você tem que colocar aí. A
escola tem que verificar o produto que está botando na rua. Quem é o professor?
O que ele pode fazer? Como é que ele tem que ter assistência da própria
escola... a escola não pode abandonar. A escola tem que ser continuada. Ele se
formou, ele vai trabalhar, ele continua na escola para ir levando os problemas
que ele sente, as soluções discutidas em turma, em grupo, pra poder então
resolver... isso é que eu acho. O seu trabalho... o importante me parece isso
mesmo. É levar ou levantar a ideia que a escola tem que melhorar pelo passado
que ela tem, pelo futuro que ela terá... que a escola é o futuro do mundo.
Ninguém mais vai viver sem educação. Seja ela qual for e de que tipo for. Então
eu acho que o seu trabalho é essencial para isso. Levanta sim, mostra firmeza
no que você fez, afirma as suas ideias. Diz pra todo mundo o que você tá
pensando[4].
Assim, mesmo mudando o tema de nosso projeto, acreditamos que nossa
perspectiva não foi perdida. Acreditamos que abanar a pó da história que se
depõe ao longo do tempo sobre ‘O Carmela’,
resultará em frutos que poderão ser usados no futuro para defender a tradição
de boa qualidade de ensino da Escola Normal Carmela Dutra.
Levantar a memória da Escola com fins de reforçar seus alicerces já é
motivação justificável aos nossos olhos e aos olhos de nossos pares no
cotidiano educacional. Além disso, fazer com que o nosso trabalho seja
importante para o público, para comunidade, é apenas uma faceta de nosso
estudo. E academicamente, precisamos ir um pouco mais longe, bem como quando
citamos Maria Elisabeth Blanck Miguel: O
historiador tem que procurar um saber mais longo, que vá além daquele do
período ou do fato estudado (2007: 34).
E
como apontamos, o primeiro momento foi de busca por fontes de legislação
escolar, onde usamos como referência o capítulo A legislação escolar como fonte para a História da Educação: uma
tentativa de interpretação, escrito por Luciano Mendes de Faria Filho, do
livro Educação, modernidade e civilização: fontes e perspectivas de análises para a história da educação
oitocentista, organizado também por Faria Filho.
Num
segundo momento, quando conseguimos os contatos dos alunos da primeira turma do
ENCD, decidimos pelo uso da História Oral como método para nos aproximarmos das
memórias dos entrevistados. Seguimos assim a orientação de duas obras, o Manual de História Oral e História
Oral: desafios para o século XXI,
o primeiro escrito Verena Alberti e o segundo organizado também por ela, bem
como Marieta Ferreira e Tania Fernandes.
Seguindo
a metodologia de História Oral, escolher os entrevistados foi, dentre todas as
outras, uma tarefa importante. Isso porque dentre os trinta primeiros alunos,
encontramos poucos ainda disponíveis para narrar suas experiências. Dentre os
contatos que fizemos, alguns deles ainda afirmaram não estarem dispostos a
falar, pois se sentiam cansados ou doentes. Mesmo assim, acreditamos que o
número de entrevistados nos ofereceu uma amostra suficientemente valiosa para
entender o momento político-educacional que viveram na implantação da Escola
Normal Carmela Dutra.
Assim,
escolhemos um tipo de entrevista conhecido como temático, isto é, focamos nosso trabalho em um período específico e
em um tema singular, para que pudéssemos ser mais objetivos. Queríamos de
nossos entrevistados, uma narrativa das conjunturas, dos acontecimentos, das
participações na história da referida Escola, sem, no entanto, restringi-los de
falar sobre as suas experiências.
Adquirimos
especialmente para essas entrevistas alguns equipamentos que se mostraram
necessários, como um gravador digital Sony e uma máquina fotográfica da mesma
marca, além de um tripé para gravar as imagens feitas a partir de uma segunda
máquina que nos serviu de filmadora. Embora o registro de vídeo não seja um
requisito imprescindível para a metodologia de História Oral, decidimos por
gravar nossas entrevistas, uma vez que consideramos que no futuro possam servir
como fontes para outros estudos. Contudo, ainda não podemos precisar onde tais
entrevistas ficarão arquivados, juntamente com todo o material coletado nestes
anos de trabalho.
Ao
partir para o trabalho de campo, evidentemente, uma sindicância parcial antes
de iniciar cada entrevista se fez necessária. Saber a origem de cada ex-aluno,
como a sua trajetória acadêmica e como ele se formou, nos ajudou na hora de
elaborar os questionamentos a serem feitos na hora da entrevista. Contudo, não
diagramamos uma espécie de roteiro estritamente individual, pois queríamos,
além de suas visões, a experiência de grupo dos trinta alunos. Assim,
fomentamos o diálogo entre as entrevistas, perguntando também sobre o
relacionamento com os colegas de classe.
Nossas
entrevistas seguiram o padrão de roteiro semiestruturado, isto é, algumas
perguntas chave nos direcionavam ou nos redirecionavam para tema de nossa
dissertação. Os entrevistados ficaram, portanto, livres para discorrer sobre as
suas experiências, embora nós restringíssemos, vez por outra, as amplitudes de
seus voos no tempo passado.
Considerando
a idade avançada dos entrevistados, decidimos subitamente que o melhor lugar
para as entrevistas seriam as suas próprias casas, onde, confortáveis, puderam
dispor melhor de suas lembranças. Cuidamos também para que as entrevistas não
se estendessem demais, sugerindo, ao menor sinal de cansaço dos entrevistados
que poderíamos continuar as entrevistas em outros dias, para que eles ficassem
a vontade para continuar revisitando as suas memórias.
Também,
em todos os casos, mesmo antes e iniciar a entrevista, por uma questão de
ética, afirmamos aos ex-alunos do Instituto de Educação e da Escola Normal
Carmela Dutra não seria necessário responder qualquer indagação que os pusesse
em uma situação de incômodo ou de constrangimento. E após todas as entrevistas
procedemos na explicação da necessidade de autorização do uso de seus direitos
de som e imagem para o desenvolvimento de nosso trabalho. Uma carta de cessão
de direitos de som e imagem foi levada e devidamente assinada, com suas
respectivas datações, por cada um dos entrevistados, segundo o modelo que
deixamos como anexo (Anexo II).
Em
todas as entrevistas, buscamos uma bibliografia adequada para que em nenhum
momento prevalecesse uma monumentalização
da ENCD. Nossa preocupação residia no fato de que os entrevistados poderiam
exagerar em alguns pontos nas respostas que apresentavam para construção dos
nossos estudos. Desta forma, durante todo o estudo confrontamos o conteúdo das
entrevistas as nossas pesquisas bibliográficas, preocupando-nos em encontrar os
termos adequados para escrever nossa dissertação.
Essa
preocupação também se deu quanto à análise das fotografias apresentadas, pois
em todas as nossas entrevistas tivemos contato com uma abundância de imagens
trazidas sobre o período que estudamos. Para avaliá-las seguimos os
procedimentos técnicos apontados por Ana Maria Mauad, em seu artigo Através da Imagem: fotografia e História
Interfaces, publicado na revista Tempo,
em 1996.
O
ponto de partida é compreender a natureza técnica do ato fotográfico, a sua
característica de marca luminosa, daí a ideia de indício, de resíduo da
realidade sensível impressa na imagem fotográfica. Em virtude desse princípio,
a fotografia é considerada como testemunho: atesta a existência de uma
realidade. Como corolário deste momento de inscrição do mundo na superfície
sensível, seguem-se as convenções e opções culturais historicamente realizadas
(MAUAD, 1996. p. 4).
Considerando
assim a nossa perspectiva no estudo dessas fontes, ou seja, no estudo das
maneiras de ser e agir no passado desses atores sociais, nós percebemos a
abordagem histórico-semiótico da fotografia como aquela que oferece os
mecanismos necessários para o desenvolvimento de nossa análise.
Tal
trabalho de interpretação critica os diferentes discursos presentes nas imagens
produzidas por agencias oficiais quando fotografam alunos, professores e
autoridades, quando os próprios alunos ou agentes da escola retratam o
cotidiano escolar em estágios, visitações ou eventos como formatura, o Sete de
Setembro, o recebimento das Bandeiras Oficias da Nação, entre outros. Além
disso, nossa perspectiva de utilização da imagem como fonte histórica visa
ultrapassar o mero analogon da
realidade (MAUAD, 1996), uma vez que abordamos a imagem como uma mensagem
revestida de sentidos, onde a sua decomposição para seu estudo finalmente a
poderá tornar uma fonte confiável.
REFERENCIAIS DOCUMETAIS:
Acervo da
Biblioteca nacional
Acervo do
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
Acervo da Fundação
Getúlio Vargas – CPDOC
Acervo do
Instituto de Educação Carmela Dutra
Centro de Memória Institucional do ISERJ – CEMI
REFERENCIAIS DIGITAIS:
Acervo de teses e dissertações UNIRIO - http://www2.unirio.br/unirio/cla/ppgcla/ppgac/banco-de-teses-e-dissertacoes
http://www.alerj.rj.gov.br
www.dominiopublico.gov.br/
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS:
ALBERTI,
Verena. Manual de História Oral.
Editora FGV. 3ª ed. Rio de Janeiro, 2005.
FARIA FILHO,
Luciano Mendes de. A legislação escolar
como fonte para a História da Educação: uma tentativa de interpretação. IN:
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. (Org.). Educação, modernidade e civilização: fontes e perspectivas de
análises para a história da educação oitocentista. Autêntica. p. 89-125. Belo
Horizonte, 1998.
FERREIRA,
Marieta de Moraes; FERNANDES, Tania Maria. & ALBERTI, Verena. (orgs)
História Oral: desafios para o século XXI. Editora FioCruz e Fundação Getúlio
Vargas. Rio de Janeiro, 2000.
JULIÁ, Dominique. A
Cultura Escolar como Objeto Histórico. IN: Revista Brasileira de História da Educação, n1,
jan/jun. São Paulo, 2001.
LIBÂNEO, José C.
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[1] Esse artigo é uma fração do
trabalho de dissertação de mestrado intitulada As normalistas chegam ao subúrbio – A história da Escola Normal Carmela
Dutra: da criação à autonomia administrativa (1946 – 1953), defendida em
março de 2015, sob orientação da doutora Sonia Lopes.
[2] Graduado em História (UFF) e em
Filosofia (UFRJ), mestre e doutorando em Educação (UFRJ).
[3] Acesso no Mês de Agosto de 2013.
Disponível em: http://www.oi.com.br/oi/oi-pra-voce/oi-fixo/servicos/servicos-pro-seu-oi-fixo/lista-online
[4] Entrevista com Duílio Ramiro
Alves, dia 06.09.2013 para o projeto As
normalistas chegam ao subúrbio — A história da Escola Normal Carmela Dutra: da
criação (1946) até a sua autonomia administrativa (1953).
O primeiro carmela Dutra funcionava no calçadão de Madureira.Segundo relatos no Facebook.
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