Helena
Sobre o
presente trabalho, devido aos seus fins e ao próprio caráter da obra de Machado
de Assis, torna-se imperativo a alusão a metodologia utilizada na análise do
romance, bem como uma breve descrição da história e o relacionamento das
personagens de ‘Helena’ com o aprendizado no decorrer do curso de História da
Filosofia Contemporânea I, ministrada pelo professor Patrick.
O método utilizado, devido também as
fontes e a experiência pessoal de análise de texto, é o biográfico, onde busco
em diversos pontos do livro engendrar analogias sobre a vida e a obra de
Machado de Assis. Contudo, o método fenomenológico não pode escapar a esta
abordagem, uma vez que creio estar no centro da obra, como explicitarei no
decorrer do texto.
Helena, de 1876, da fase romântica
de Machado de Assis, onde o homem é caracterizado diferentemente pela terceira
vez, revelando além dos dramas pessoais, as suas críticas políticas à época em
que viveu. A história se passa nas adjacências da corte imperial, onde Helena é
adotada pelo conselheiro Valle, que depois de morto deixa-a aos cuidados do
irmão mais velho, Estácio. Este, por sua vez vê-se com os sentimentos confusos
acerca do amor fraternal ou conjugal com Helena, que também é cortejada por
Mendonça. Os amigos do falecido conselheiro, Padre Melchior e o médico Camargo,
transitam entre conselhos afetivos e seus próprios interesses em relação a
Estácio e sua condição financeira. Melchior busca a garantia de seu ‘rebanho’
na fé cristã, enquanto Camargo mostra-se um arrivista social.
A obra inicia expondo uma
experiência de ‘finitude’, tal qual sofrera Machado de Assis durante a morte do
pai, quando tinha 12 anos. Uma experiência fenomenológica que perseguirá todas
as personagens durante todo o romance ‘Helena’. Machado de Assis sofre ainda
com a morte da irmã e da mãe, e também no futuro, com a morte de sua madrasta
mulata, Maria Inês. Esta última, que foi responsável pela educação inicial de
Machado, transmitindo-o o pouco que sabia, sofre pelo afastamento do filho
adotivo, por conta de sua mudança de São Cristovão para o Centro, e chega a ter
que recorrer a caridades alheias para sobreviver. A morte de Maria Inês (1874),
leva Machado a uma grande comoção, já que sua consciência o acusa de culpa pela
morte da madrasta. Suas personagens desde então carregam o tom de desabafo e
lamuria pelo fenômeno da experiência de ‘finitude’ que Machado de Assi sofrera
no decorrer de sua vida.
A
morte do conselheiro Vale é o ponto de partida para o desenvolvimento de
‘Helena’. É o retrato fiel da “Dor-Homem”, vivenciada pelo autor em seu
cotidiano. É pela vontade póstuma do conselheiro, descrita em um desejo
testamentário, que Estácio e D. Úrsula se vêem obrigados a aceitar um
intempérie da vida; a adoção de uma estranha como membro da família. As visões
desta intempérie seguem pelo decorrer das duas personagens da casa: enquanto
Estácio demonstra empatia, que no decorrer do texto evidencia-se em um grande
amor, D. Úrsula, sua tia, mostra um modo mais sombrio de encarar as peças que a
vida pode pregar no ser humano. Ainda assim, durante o desenrolar do romance,
as ameaças de morte de D. Úrsula e da madrinha de Eugênia, desmobilizam
desafetos, criam novos amores e revelam verdades das personagens do livro, um exemplo
claro do que a experiência de “Dor-Homem”, ligado a ´finitude’, pode causar. As
mortes acontecidas no decorrer do romance, parecem ser o centro da trama desde
o início, bem como é também descrito o fim, que recheado de sentimentalismo
narra a morte da protagonista, atestando assim o fim de todas as coisas, bem
como o resultado da uma disputa entre o homem ‘espirituoso’ e o homem ‘tolo’.
O homem ‘tolo’, em competição com o
homem ‘espirituoso’ que foi Machado de Assis enveredaram muitas das obras deste
autor. Gago, tímido e epilético, os romances e contos desta fase literária
descritos pelo autor conotam sua fragilidade física e ressaltam que ele só
conta com sua inteligência e autodidática em seus relacionamentos. A personagem
Mendonça, por sua vez: “[...] ombros
largos, fisionomia risonha e franca, natureza móbil e expansiva [..] A mão
larga e forte calçava fina luva cor de palha, e sobre o cabelo, penteado a
capricho, pousava um chapéu de fábrica recente. [...] Inquieto, amigo da sua
vida ruidosa e fácil, inteligente sem largos horizontes, possuindo apenas a
instrução precisa para desempenhar-se de qualquer comissão de certa ordem[...][1]”.
Até a descoberta de seu amor, Estácio veta a relação entre Helena e Mendonça
acometido por uma força interior e misteriosa que cito mais adiante, e que
encontra argumentos –infundados– na falta de amor entre os dois. A disputa
velada entre Estácio e Mendonça acontece quase sempre à margem da perspicácia
de Helena, porém não fugindo ao Padre Melchior. Este, frente ao outro
conselheiro de Estácio, o Dr. Camargo, embora tenha seus argumentos
identificados a sofismas religiosos, mostra-se espirituoso ao parecer os
sentimentos de Estácio e Mendonça com relação a Helena. Ainda assim, mostra-se
inteligente, culto e preocupado com os problemas alheios a sua vida.
Além disso, o romance demonstra uma
outra característica abordada por Machado de Assis em suas narrações; são
considerações ao dinheiro e o que ele pode representar para os homens, são
considerações sobre a ‘ambição’. O romance é passado entre personagens de maior
estrato social, ressaltam também outra característica machadiana, que é a de
escrever para as elites. Embora Machado cite palavras que relembram a vivência
dos negros escravos naquela época, as personagens tem pouca ou nenhuma
relevância. Machado prefere a dinâmica da vida elitizada, seus percalços e
ambições. A personagem Camargo, tomado pela vontade de ascender socialmente,
garantindo o futuro da filha (Eugênia), preocupa-se com a divisão da herança em
duas partes, quando Helena é reconhecida filha do conselheiro. Dr. Camargo
também trama durante toda a narração, para que Eugênia se case com Estácio.
Para tal, utiliza-se de um expediente: a troca de favores.
O autor
utiliza-se de uma das quatro ideologias identificadas pelos sociólogos como
base da formação da sociedade brasileira; Ideologia do colonialismo, da
escravidão, do liberalismo conservador e a ideologia do favor. Apesar de todas
estarem interligadas de alguma forma, julgo interessante nos determos na relação
entre a Ideologia da escravidão (autoritarismo) e a Ideologia do favor. A
ideologia como sabemos é um conjunto articulado de idéias, valores opiniões,
crenças, que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a um
determinado grupo social, seja qual for o grau de consciência que disso tenham
seus portadores. A Ideologia do Autoritarismo, neste ponto serve à personagem
de Dr. Camargo como lógica de ação sobre a personagem de Helena. A imposição de
sua condição social, física e moral sobre a jovem revela além de seu arrivismo
social, um autoritarismo tenaz que culmina na capitulação de Helena pelo
sofrimento. Na verdade, um ardil tácito, onde intende-se em uma leitura
superficial, uma simples troca de favores, mas que porém, no fundo, revela também
o autoritarismo existente na relação entre eles. A Ideologia do Favor está
presente na prática cotidiana do corporativismo, no compadrio ou ainda como no
caso das personagens Dr. Camargo e Helena, na ajuda mútua por favores.
Helena,
por sua vez, demonstra um outra característica interessante; a de se portar
submissa aos ditames alheios e se acostumar com eles. Além do que já foi
supracitado, sobre a conversa da protagonista e Dr. Camargo, um trecho diálogo
entre Estácio e Helena, vem a corroborar tal afirmação: “– Helena, declarou ele, não creio nada do que você me diz; você
sacrifica-se sem necessidade e sem glória. Não consinto; é meu dever opor-me a
semelhante cousa... [...] – Mendonça é
já o fruto proibido, concluiu a moça, começo a amá-lo. Se ainda assim me
obrigar a desistir do casamento, adorá-lo-ei.[2]”.
Esse traço, assenta-se em uma outra ideologia, a do colonialismo, que como já
citei, está interligada as outras ideologias de formação da sociedade
brasileira. Essas relações, que estão intimamente ligadas as experiências de
vida do autor, que escreveu quase toda vida sob o instituto da escravidão, sob
o exercício do ‘favor’ e da estranheza da sociedade por sua mulatice, leva-me a
crer em uma característica sadomasoquista de Helena. O sadomasoquismo onde
pessoas frágeis como Helena acostumam-se com o sofrimento, acostumam-se a estar
em uma posição de submissão, aprendendo a sofrer e a tirar gozo de sua própria
tortura.
Por fim,
achei um ponto que circunscreve parte da vida de Machado e completamente o
romance ‘Helena’. Esse aspecto é advindo da relação –além da amorosa- que
Helena tem para com Estácio, e Carolina Augusta Xavier de Novais tem com
Machado de Assis. Helena, por diversas vezes incide sua influência sobre
Estácio, retocando suas ações e reflexões. Helena sem dúvida mostra-se uma
lapidadora dos sentimentos e ações de seu amante. Assim também o fez Carolina
Augusta, esposa de Machado de Assis, que apesar de não ser bela como Helena, é
versada em gramática e boa conhecedora dos clássicos portugueses. Daí,
consultando dados biográficos encontrei informações que ratificam minhas
colocações. Carolina Augusta revisava as obras estreantes de Machado de Assis
em dois gêneros literários: contos e romances. Dentre as quais estavam ‘Contos
Fluminenses’ e ‘Ressureição’ de 1872, Histórias da Meia –Noite de 1873, a Mão e
a Luva de 1874 e ‘Helena’ de 1876, entre outros.
Desta forma, e através do que foi
apresentado, creio ser de melhor ocasião uma experiência de abordagem
biográfica e fenomenológica, em que as analogias dobre a vida de Machado de
Assis sejam expostas, vislumbrando fatos marcantes como os dramas e auspícios
transplantados deliberadamente em narrações como ‘Helena’ (1876), e como foram
evidenciadas em muitas outras obras. Não obstante, obediente a observação de
que o método fenomenológico não compreende toda ‘Helena’, bem como não é capaz,
de por si só, dar conta de todas as suas obras, creio ser a produção
machadiana, assistêmica, caracterizando Machado de Assis portanto como um
pensador, apesar de sua formação filosófica.
Assis, Machado de. Helena.
Editora Martin Claret, 2002. pp. 65 e 69.
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