AVALIAÇÃO
DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: NOTAS SOBRE O PROCESSO INICIADO NOS ANOS 1990
Fábio Souza Lima
INTRODUÇÃO
A avaliação de
sistemas escolares no Brasil sempre dividiu opiniões. Por um lado, educadores
que apontam os benefícios de conhecer mais a fundo os problemas regionais e de
cada rede escolar nos âmbitos federal, estadual e municipal, podendo realizar,
a partir de tais dados recolhidos, investimentos específicos e mais eficazes
quanto ao desenvolvimento do educando. Seriam exemplos dessas ideias, os
investimentos em transporte em regiões onde não há estradas ou regiões de
difícil acesso; em programas sociais, para regiões de extrema pobreza, mesmo
próximas a grandes centros urbanizados; em estrutura, na construção de quadras,
bibliotecas e salas de informática, entre outras ações. Dessa maneira, os
investimentos públicos teriam destinação mais específica, aumentando sua
eficácia na melhoria da qualidade do ensino público nacional.
Por outro lado, há
também educadores que acusam esses programas de serem aplicados no sentido de
formarem alunos treinados apenas para responder tais avaliações, deixando de
lado aspectos como a maturidade, consciência do social e até a cidadania. Nesse
contexto, os professores passariam da condição de intelectuais à condição de
meros repetidores de temas e assuntos já trabalhados por outras pessoas fora
das escolas. Segundo outros críticos, esses modelos de avaliação, teriam
ajudado a criar os ranqueamentos de escolas, preocupadas apenas com o resultado
nas avaliações nacionais, incentivando assim, a competição ao invés da
cooperação entre os alunos.
CONTEXTO
DE SURGIMENTO DAS AVALIAÇÕES NACIONAIS
Segundo Alicia
Bonamino e Sandra Sousa (2012), embora sejam encontrados indícios de que havia
interesse em implementar as avaliações da educação básica desde os anos 1930,
efetivamente, será a partir dos anos 1980 com a criação do Sistema Nacional de
Avaliação de Educação Básica (SAEB), que as condições para que as avaliações
começarão a serem basicamente satisfeitas. Em 1991, finalmente, o Ministério da
Educação (MEC) estabeleceu Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, o
Saeb, que a cada dois anos, por meio de amostragem, realizava as provas com
alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (atualmente 6º ano e 9º ano) e do
Ensino Médio, o terceiro ano.
É necessário
salientar, no entanto, que as suas primeiras aplicações se deram em um contexto
histórico nacional e internacional bem específico. O final dos anos 1980 tem
como principal evento político o processo de distensão do regime militar que o
Brasil enfrentava há cerca de vinte anos. Nesse período, imbuído de sentimentos
de participação popular, a chamada Constituição Cidadã de 1988 foi promulgada e
as eleições presidenciais marcadas para 1989. Paralelamente, o mundo assistia o
fim da Guerra Fria com a queda do Muro de Berlim em 1989 e com a derrocada da
União Soviética, que efetivamente se desfez em 1991. Não por acaso, em 1990,
sob o financiamento de entidades como o Banco Mundial, foi realizada na cidade
de Jomtien, Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, que
terminou por produzir a Declaração Mundial de Educação para Todos,
influenciando os principais projetos educacionais no período no ocidente.
Paralelamente, no
bojo do crescimento mundial de um ambiente neoliberal, surgia no Brasil uma
nova direita (SOARES; XAVIER, 2013). O Governo de Itamar Franco (1992 – 1995) chegou
a aprovar o chamado Plano Decenal de Educação para Todos em 1993, mas o
documento, em mais um exemplo clássico brasileiro de descontinuidade não foi
considerado como referência para o governo Fernando Henrique Cardoso (1995 –
2003). Desta forma, mais como uma política de governo do que uma Política de
Estado (que transcende os governos e as colorações partidárias), essa versão do
Plano foi esquecida, sendo aprovada uma nova versão, desta vez com o nome de
Plano Nacional de Educação, apenas em 2001 sob a Lei n.º 10.172 de nove de
janeiro.
SOBRE
AS GERAÇÕES DE AVALIAÇÕES
Na primeira
geração de provas, a aplicação do SAEB em meio a demandas do Banco Mundial
(1990) teve caráter puramente diagnóstico, sendo os seus resultados divulgados apenas
na internet (BONAMINO; FRANCO, 1999). As escolas não foram diretamente avisadas
e não houve qualquer tipo de repreensão aos diretores ou aos professores sobre
o “rendimento” dos alunos na avaliação. Entre os docentes das diversas redes estaduais
e municipais, muitos deles sequer procuraram saber como as suas unidades se
saíram, enquanto as primeiras comparações entre as diversas redes escolares
privadas e públicas começavam a serem feitas.
Na segunda geração,
conhecida como low stakes, os resultados foram apresentados
da mesma forma, embora as escolas também tenham recebido os dados diagnósticos
para possíveis adaptações e alterações. Já na terceira geração, chamada de high stakes,
as políticas de responsabilização começaram a ser aplicadas, sendo as unidades
e o corpo docente responsabilizados pelos resultados (BONAMINO; SOUSA, 2012). Corresponde
a esse período e terceira geração e avaliações, a introdução da Prova Brasil,
em 2005, e a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
em 2007, expandiram os dados e demais informações sobre os alunos e as escolas
em diversos locais do país. Surgiram do desenvolvimento desse processo as avaliações
regionais aplicadas pelas próprias redes municipais e estaduais. Também se
desenvolveram as políticas de accountability
(termo de origem inglesa que relaciona prestação de contas, responsabilidade,
ética e transparência) como mecanismos efetivos de coleta de dados, de
equalização das oportunidades educacionais e de melhoria de sistemas e redes de
ensino. Em algumas oportunidades, resultantes das políticas de accountability, professores foram
premiados com valores em dinheiro por conta da melhoria das notas gerais da
escola e por manter o índice de fluxo entre as séries de determinado
seguimento, isto é, diminuir o índice de reprovação.
Começaram as
denúncias de que o IDEB poderia ser manipulado por meio das notas da Prova
Brasil. Escolas e professores poderiam, sem infringir a lei, impedir que alunos
mais fracos fizessem a avaliação nacional e estimular os de melhor rendimento
que as fizessem (RISITOLATO; VIANNA, 2014). A
oposição ao modelo cresceu na medida em que os governos estaduais e municipais
implantavam seus próprios sistemas de avaliação inspirados nas provas federais
(BONAMINO; SOUZA, 2012).
No caso específico do Rio de
Janeiro, a Secretaria Estadual de Educação vem efetuando algumas tentativas de
apresentação e debate sobre os indicadores educacionais produzidos. Tais
espaços também são utilizados para refletir sobre as políticas de
responsabilização. Além disso, as unidades escolares têm realizado reuniões de
apresentação do SAERJ (Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de
Janeiro) e da GIDE (Gestão Integrada das Escolas), siglas que representam o
conjunto de políticas de avaliação e accountability
propostas pelo governo estadual para renovação do sistema estadual de educação
e cumprimento de metas estabelecidas para o sistema e para cada escola (RISITOLATO;
VIANNA, 2014; p. 21).
A chegada desses
exames, até os dias atuais, não tem sido bem recebida pelos diferentes setores
que compõe os trabalhadores da educação. Os sindicatos de professores
criticaram a possível padronização do ensino e a desvalorização do trabalho
docente. Diante do modelo de prova e das cobranças curriculares, os professores
perderiam sua autonomia de escolha e discussão de temas, tornando-se uma
espécie de “tarefeiros” responsáveis por transmitir “kits” de sobrevivência com
conteúdos já acabados aos jovens (LIBÂNEO, 2012). A educação (mais notadamente
a educação pública) estaria se transformando em um conjunto de técnicas
responsáveis por reproduzir conteúdos necessários apenas para atender ao
mercado de trabalho, sem a preocupação com o desenvolvimento intelectual e
crítico do discente. A crítica dos sindicatos, ainda nos dias de hoje
realizada, se baseia no discurso de que “a escola não é fábrica” e que é
impossível avaliar verdadeiramente o que seria o produto final da educação,
isto é, o aluno (RISITOLATO; VIANNA, 2014).
Enquanto a mídia divulgava rankings
de escolas, com destaque para os melhores e piores resultados, nos sites do
Inep e do MEC, enfatizava-se, como novidade da Prova Brasil, a devolução dos
resultados para as escolas a fim de colaborar com o planejamento das ações
pedagógicas (BONAMINO; SOUSA, 2012; p. 379).
O Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM) chegou a funcionar como componente de avaliação do sistema
no início dos anos 2010. Com isso, o próprio ENEM se transformou na principal
medida da qualidade de ensino. Substituído em 2017 novamente pela Prova Brasil
no cálculo do IDEB, as notas do ENEM deixaram de ser divulgadas por Escola. No
entanto, o estrago já parecia ter sido feito e o ENEM acabou se tornando
referência de sucesso das escolas particulares que, publicamente, passaram a
exercer a prática de contratar “alunos profissionais” por meio de bolsas de
estudo. Ao final do Ensino Médio, mesmo que o aluno tivesse feito apenas o
último ano em determinada unidade escolar, o seu rendimento na prova do ENEM
era tratado como propaganda de como tal unidade teria um bom ensino. Dessa
maneira, mesmo que as notas não fossem calculadas pelo governo comparando os
sistemas de ensino, muitas escolas particulares passaram a usar as notas de
seus alunos como propaganda para os seus negócios.
Nesse período,
tais avaliações ainda foram acusadas de ser facilitas por meio da introdução de
“textos-estímulo” nas redações, sendo aceito que os alunos copiassem trechos
inteiros de tais textos, o que faziam as notas melhorares no final da prova. As
questões objetivas, por sua vez, mudaram seus parâmetros de “ou insuficiente ou
regular ou bom ou excelente” para “de insuficiente a regular ou de regular a
bom ou de bom a excelente”, criando um campo de intepretação e inexatidão que
só fez piorar o posicionamento das entidades de classe da educação contra a sua
aplicação (ZIBAS, 2005).
Enquanto isso
acontecia internamente, o Brasil, ao ser convidado para participar do Programme for International Student
Assessment (PISA) desde os anos 2000, tornou pública internacionalmente a
fragilidade das ações que vinham sendo tomadas no sentido de melhorar o
desempenho dos alunos em português, matemática e ciências. Como efeito, o
Brasil tem ocupado as últimas posições do ranqueamento de sistemas educacionais
nacionais entre dezenas de países do mundo.
O valor 6 foi escolhido como valor
de referência para o Ideb. A heurística dessa escolha está descrita na nota
técnica do Inep. Sucintamente, com algumas hipóteses, esse seria o valor que o
Ideb deveria ter se os alunos brasileiros estivessem todos no nível 3 do
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e o indicador de
rendimento fosse fixado em 0,96. Esse fato tem sido descrito como se um Ideb
igual a 6 significasse uma escola de “primeiro mundo”. Todavia, isso só seria
correto se o currículo brasileiro, cujo aprendizado é verificado pela Prova
Brasil, fosse equivalente ao currículo dos países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que não ocorre atualmente (SOARES;
XAVIER, 2013; p. 912).
As notas do Brasil
no PISA demonstraram que mesmo com as adaptações feitas pelo governo ainda
precisavam de muita atenção. Mesmo assim, dois outros grandes problemas continuam
sendo apontados com relação às provas externas, principalmente pelos professores:
o efeito de “ensinar para o teste”, isto é, preparar o aluno apenas para a
prova que irá qualificar a sua escola frente às outras. E, decorrente disso, a
restrição dos currículos a fim de atender apenas o que é cobrado em tais
avaliações (BONAMINO; SOUZA, 2012). Assim, mesmo depois de quase vinte anos de
iniciado esses procedimentos de provas nacionais e atuação pública em cima dos
dados oferecidos por esse sistema, o Brasil ainda tem problemas a resolver com
relação a qualidade do seu ensino.
REFERÊNCIAS
BONAMINO, A.
(2002). Tempos de Avaliação Educacional:
o SAEB, seus agentes, referências e tendências. Editora Quartet, Rio de
Janeiro.
BONAMINO, A.;
FRANCO, C. (1999). Avaliação e política educacional: o processo de
institucionalização do SAEB. Cadernos de
Pesquisa, nº 108, novembro.
BONAMINO, A.;
SOUZA, S. (2012). Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil:
interfaces. Educação e Pesquisa, São
Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012.
RISITOLATO, R.;
VIANNA, G. (2014). Os gestores educacionais e a recepção dos sist. externos de
aval. no cotidiano escolar. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 13-28, jan./mar.
SOARES, J.;
XAVIER, F. (2013). Pressupostos Educacionais E Estatísticos Do Ideb. Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 124, p.
903-923, jul.-set.
ZIBAS, D. (2005). Refundar
o ensino médio? Alguns antecedentes e atuais desdobramentos das políticas dos
anos de 1990. Educ. Soc.,
Campinas, vol. 26, n. 92, p. 1067-1086, Especial - Out. 2005.
LIBÂNEO, J. (2012).
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para
os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28.
Nenhum comentário:
Postar um comentário